– Todo mundo fala que as paredes têm ouvidos. E temos mesmo, ouvidos bem abertos e atentos, mas nada podemos fazer senão ouvir, ouvir e ouvir. E ouvimos cada uma que, se tivéssemos boca pra falar, ninguém aqui nessa casa iria acreditar! Nós envolvemos os quartos, os banheiros, os cantos mais íntimos desta mansão secular. E você, porta? Também vê tudo e fica calada… não passa nada pra frente?
– Eu sou uma porta, disse a porta.
– Ah, vá… jura?, respondeu a mesa.
– Você entendeu o que eu quis dizer, mesa. Tudo o que se passa aqui – planos, intrigas, mentiras, traições, conversas, conchavos, nada sairá para fora. Quem quer que passe por mim, vai embora do jeito que entrou. Eu não terei visto nada. Portas são assim, discretíssimas. Desde que o mundo é mundo.
– Um pouco omisso este seu comportamento. Se quisesse, poderia muito bem dar com a língua nos dentes. Você tem uma lingueta aí na sua fechadura, coisa que nenhum de nós aqui tem. Nem as paredes, nem os corredores, nem os encanamentos, nem os conduítes, nem as janelas…
– Olha o lustre aí! Tudo bem com o senhor?
– Também preciso desabafar, se me dão licença. O que eu presencio me perturba muito. Quando minhas luzes estão acesas, o comportamento deles é um. Mas basta que me apaguem para que tudo mude. Parece que é outra família morando aqui dentro.
– A noite e seus mistérios…
– Mas voltando a essa questão de ser omisso. E você, mesa? É em cima de você que a família coloca tudo em pratos limpos. Eu fico aqui imaginando as informações privilegiadas que você deve ter.
– Eu não posso fazer nada, se não tenho língua. Nem uma lingueta que seja. Na última limpeza de pratos houve uma gritaria dos infernos, a menina mais velha ameaçou todo mundo, a mãe e o pai inclusive, dizendo que não ia sobrar pedra sobre pedra.
– Xi… vão demolir a casa?
– Acho que não. Ouvi falarem algo como “lavar a roupa suja”.
– Bom, aí é na lavanderia, lá na área de serviço. Nem tenho liberdade de chamar a coitada pra essa nossa discussão.
– É, vamos deixar esse pessoal da área externa lá no canto deles, ou seja, de fora da conversa.
– Isso. Melhor.
Esta é uma obra de ficção.
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