Alertado pela Procuradoria da República no Distrito Federal sobre ‘possível interferência ilícita’ do presidente Jair Bolsonaro nas investigações sobre o ‘gabinete paralelo’ instalado no Ministério da Educação, na gestão Milton Ribeiro, com favorecimento de pastores na distribuição de verbas – caso revelado pelo Estadão – o juiz Renato Coelho Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal, decidiu devolver ao Supremo Tribunal Federal o inquérito da Operação Acesso Pago.
A operação envolve o aliado do presidente Jair Bolsonaro em suposta organização criminosa formada por um grupo de pastores com trânsito no Planalto.
A decisão atende um pedido do Ministério Público Federal, que defendeu a remessa de gravações oriundas da interceptação telefônica de Ribeiro à corte máxima, para averiguação da possível ocorrência dos crimes de violação de sigilo funcional com dano à Administração Judiciária e favorecimento pessoal.
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A Procuradoria diz que o áudio aponta indício de vazamento da operação policial, por parte do chefe do Executivo. O documento não dá mais detalhes sobre a suposta conduta de Bolsonaro. Borelli tornou públicas apenas as decisões que culminaram na Operação acesso Pago, sendo que o teor dos grampos da PF segue sob sigilo.
Como mostrou o Estadão, Milton foi pego em grampo da Polícia Federal em diálogo com ao menos três pessoas diferentes. Em um deles, com uma pessoa de nome Waldomiro, o ex-ministro da Educação afirma: Mas eu acho assim, que o assunto dos pastores é uma coisa que eu tenho receio um pouco é de o processo fazer aquele negócio de busca e apreensão, entendeu?”. Já em outro diálogo, com um familiar, o aliado do presidente diz: “ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa sabe é é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? se houver indícios né”.
Ao determinar o envio da integralidade do caso aos STF, Borelli ponderou que, ‘figurando possível a presença de ocupante de cargo com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal’, cabe ao referido Tribunal a análise quanto à cisão, ou não, investigação. Os autos serão enviados ao gabinete da ministra Cármen Lúcia, que foi relatora da investigação à época em que Milton Ribeiro ainda integrava o governo Jair Bolsonaro. A magistrada vai decidir sobre eventual o prosseguimento da investigação perante a 15ª Vara Federal da Justiça Federal do DF, ou sua cisão ou desmembramento.
O parecer do MPF que implica diretamente o chefe do Executivo foi assinado pelo procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, que apontou ainda ‘indícios de igual interferência na atividade investigatória da Polícia Federal quando do tratamento possivelmente privilegiado que recebeu Milton Ribeiro’. O delegado Bruno Calandrini, responsável pela investigação que levou à prisão o ex-ministro, também denunciou suposto ‘tratamento privilegiado concedido’ pela Polícia Federal ao aliado do presidente Jair Bolsonaro.
A Procuradoria destaca que Ribeiro não foi conduzido ao Distrito Federal e tampouco levado a qualquer unidade penitenciária ‘para que pudesse ser pessoalmente interrogado pela autoridade policial que preside o inquérito policial, apesar da farta estrutura disponível à Polícia Federal para a locomoção de presos’. “Nesse ponto, destaque-se que a ausência de Milton Ribeiro perante a autoridade policial foi prejudicial ao livre desenvolvimento das investigações em curso, além de ferir a isonomia que deve existir no tratamento de todos os investigados”, registra o documento.
O aliado do presidente foi preso nesta quarta-feira (22) em Santos, sendo que o mandado de prisão preventiva determinava que Ribeiro fosse levado para a Superintendência da PF em Brasília tão logo fosse localizado pelos agentes da corporação. A defesa entrou com pedido para barrar a transferência, mas a solicitação foi negada pelo juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal.
No entanto, no início da noite foi informado que Ribeiro permaneceria na capital paulista e que sua audiência de custódia seria realizada por videoconferência na tarde desta quinta-feira (23). Antes que o procedimento fosse realizado, o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região mandou soltar Ribeiro e outros quatro investigados que haviam sido presos no âmbito da ofensiva.
A denúncia sobre de Calandrini sobre o suposto tratamento privilegiado concedido a Ribeiro foi feita em mensagem de agradecimento enviada à equipe que participou da Operação Acesso. No texto o delegado disse não ter ‘autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial do caso com independência e segurança institucional’.
Além disso, Calandrini disse ter repassado a alegação de ‘interferência na condução da investigação’ ao chefe do Coordenação de inquéritos nos tribunais superiores, após saber que, ‘por decisão superior’, não iria haver o deslocamento de Milton Ribeiro para Brasília. “Manterei a postura de que a investigação foi obstaculizada ao se escolher pela não transferência de Milton à Brasília à revelia da decisão judicial”, registrou.
O delegado disse que Ribeiro, principal alvo da operação ‘foi tratado com honrarias não existentes na lei, apesar do empenho operacional da equipe de Santos que realizou a captura de Milton Ribeiro, e estava orientada a escoltar o preso até o aeroporto em São Paulo para viagem à Brasília’. “Quantos presos de Santos, até ontem, foram levados para a carceragem da SR/PF/SP?”, questionou.
Após a mensagem vir a público, a Polícia Federal disse ter aberto um procedimento apuratório sobre suposta ‘interferência na execução’ da Acesso Pago. Em nota, a corporação citou ‘boatos’ sobre a ‘possível interferência’ e diz ter o objetivo de ‘garantir a autonomia e a independência funcional do delegado da PF’.
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