Escutei “Previously in This is us” (no capítulo anterior de This is Us) 105 vezes.
A série, que começou em 2006 e terminou no mês passado, tem 106 episódios e conta a vida de Jack e Rebecca Pearson e seus trigêmeos, Randall, Kate e Kevin, nascidos em 1979. Eu nunca tinha assistido a uma série tão longa, mas me encantei com os dramas, perrengues e realizações dessa família. Não vou dar muitos “spoilers”, mas já aviso que dá para rir e chorar de montão. A produção foi bastante premiada e embora seja um novelão bem pop, é muito bem desenvolvida.
As histórias de vida são profundamente exploradas e as características emocionais dos personagens são justificadas por vivências de seus antepassados, do jeitinho que acontece na vida real. Passado, presente e futuro se intercalam para que possamos entrar em seu universo psicológico durante a infância, adolescência e vida adulta. As atuações são notáveis e a semelhança entre os atores mirins, jovens e adultos é impressionante.
A família Pearson não é nenhuma família “Doriana” e acho que esse é o principal ingrediente do sucesso da série. Eles vivem dramas comuns e problemas difíceis de encarar, como alcoolismo, dependência química, obesidade mórbida, aborto, racismo,
transtornos psiquiátricos, divórcio, desavenças entre irmãos, relacionamentos tóxicos, desemprego, alzheimer, problemas financeiros, tragédias, morte precoce e muitos outros. É fácil se identificar com suas experiências e a todo o momento nos colocamos em seuslugares e reconhecemos traumas vividos em nossas famílias. Apesar das dificuldades, eles têm uma forte relação afetiva, que é o que permite que enfrentem todas elas.
Chegou o momento de encarar o ninho vazio. E agora, José?
O seriado é uma boa oportunidade para pensar na vida como ela é e no papel da família no nosso desenvolvimento. Muito do que aprendemos e da constituição de nossa personalidade vêm dos nossos modelos familiares. É daí que advêm nossos valores morais e nossas principais referências. Mas há famílias que são bênçãos e outras que são maldição. Há famílias que formam pessoas saudáveis e outras que são celeiro de doenças mentais. Não é por acaso que a psicologia desenvolveu um vasto campo chamado de Terapia Familiar. A família é uma instituição, uma agência de fomento dos nossos comportamentos. Em sua origem, é dirigida por adultos, responsáveis pela formação de crianças, até que alcancem a maturidade. É o primeiro grupo no qual estamos inseridos e é o ambiente onde mais interagimos. Cabe aos pais e tutores fornecer condições apropriadas para o desenvolvimento de habilidades fundamentais, como relacionamento
interpessoal, resolução de problemas, autoconhecimento e manejo de emoções. Nada disso se aprende sozinho e é preciso empenho de todos os envolvidos.
Outro dia, passei por uma experiência que me fez avaliar meu próprio projeto de família. Minhas filhas, meu marido e eu estávamos em viagem e, no meio da estrada, tive uma crise de enxaqueca insuportável e inédita, à qual me fez parar num pronto-socorro em outra cidade. A dor era tão forte e o mal-estar tão intenso que pensamos na possibilidade de ser uma meningite, encefalite, tumor cerebral ou AVC. Mal conseguia andar, tive alterações de fala, visão e confusão mental. Precisei mudar de papel, sair da condição de cuidadora para ser cuidada. Meu marido foi atrás dos trâmites burocráticos, enquanto as meninas me acompanharam nos procedimentos médicos. Elas ficaram assustadas, pois nunca tinham me visto em tamanha vulnerabilidade e passando tão mal. Eu, que nunca fico doente, que sempre cuido de todos e tomo as decisões, tive que me
entregar. Me senti segura, amparada e amada, sentimentos valiosos quando algo não vai bem. Todos tiveram paciência para esperar minha recuperação e aceitaram, sem dramas, a interrupção de nosso programa. Foi um momento bem típico do “um por todos e todos por um”, como muitos vividos pelos Pearson em “This is us”.