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EconomiaCrise hídrica já estava anunciada, diz pesquisador

Crise hídrica já estava anunciada, diz pesquisador

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No início do ao passado, 6 dos 7 reservatórios que abasteciam a Grande São Paulo estavam com mais de 85% de seus níveis máximos. Dois deles (Rio Claro e São Lourenço) chegaram a ultrapassar a própria capacidade. Menos de um ano depois, a pior seca em quase cem anos começava a dar seus primeiros sinais.

A mudança brusca de cenário não surpreende José Wanderley Marangon, doutor em engenharia elétrica pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O engenheiro tem passagens por dois dos principais órgãos ligados a energia no Brasil, como assessor da diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e consultor do Ministério de Minas e Energia de 2001 a 2003.

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Hoje presidente de uma consultoria que leva seu nome, ele faz, entre outros trabalhos, pesquisas sobre o impacto das mudanças climáticas na matriz energética brasileira. Daí as projeções que indicam mudanças no regime de chuvas. “Como eu acredito no estudo e acredito nos modelos globais, eu diria que já estava anunciado”, afirma.

As consequências já são sentidas pela população há meses. Em julho, a tarifa da bandeira vermelha subiu para R$ 9,49 para cada 100 kWh –um reajuste de 52% em relação à junho. A cor indica, na conta de luz, que o país está acionando as suas usinas térmicas, mais caras, para compensar a baixa produtividade em outros tipos de geração. Marangon defende que os modelos climáticos utilizados pelos órgãos brasileiros olham para um passado que não existe mais. “Os programas todos que os órgãos têm assumem que teremos o histórico de chuvas. E o histórico não está mais funcionando.”

Periodicamente, os órgãos que tratam de energia no país fazem projeções em relação ao consumo. Para projetar uma demanda com tantas variáveis, os pesquisadores analisam estatísticas do PIB (Produto Interno Bruto), do crescimento populacional e da urbanização. Com base nesse planejamento, o governo decide se faz leilões para construir novas usinas e linhas de transmissão, por exemplo.

Todas essas etapas ocorrem porque a atividade econômica, a quantidade de parques industriais, o acesso a bens de consumo e os níveis projetados dos reservatórios influenciam a relação entre oferta e demanda de energia.

Para Marangon, o problema está no último item –os reservatórios.

“O pessoal de Furnas brinca muito que antes eles faziam controles de cheia. Tinha que jogar água fora do reservatório. Hoje ninguém faz controle de cheia mais. O que é isso? O rio continua, a usina é a mesma. A gente não está tendo muita chuva. Esse é o ponto. Existe um problema contínuo de falta de chuva”, afirma.

Pelo menos desde 2014, o engenheiro já fazia afirmações semelhantes. Naquele ano, foi publicado um estudo do qual Marangon foi um dos coordenadores, solicitado pela Aneel, sobre os impactos das mudanças climáticas na geração de energia elétrica.

Mais de 70 pesquisadores se debruçaram no tema por três anos. “Eu fazia a conversão chuva-vazão e as simulações energéticas para saber quanto isso representava em perda de geração”, explica.

Na introdução, Marangon escreveu que o setor elétrico brasileiro vinha se baseando em variáveis históricas para a tomada de decisão. “Este trabalho pretende mostrar que o uso de séries temporais embasado em observações do passado pode levar a estratégias equivocadas relacionadas ao uso dos recursos naturais”, afirmou.

No estudo os pesquisadores usaram modelos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em inglês), que consideram projeções de gás carbônico –causador do aquecimento global– no planeta.

Com base nesse modelo e considerando o Plano Nacional de Energia de 2030 do ONS (Operador Nacional do Sistema), os pesquisadores chegaram à conclusão de que, a partir de 2041, a média de redução de energia em todo o parque energético brasileiro poderia chegar a 25%.

“Em 2014 saiu novamente um estudo do IPCC, nós fizemos os cálculos e, de novo, chegamos a uma tendência de queda”, afirma. “Mas a gente tem notado que essa diminuição já começou a acontecer em 2012.”

Marangon diz que ignorar o assunto não é atitude exclusiva de um governo ou partido. “O que eu sei é que o meu livro está na mesa da turma. O pessoal olha, está preocupado.”

Evitar novas crises, em sua opinião, depende necessariamente de mudar o planejamento elétrico brasileiro.

“De antemão, temos que entender que não dá para contar com essas hidrelétricas do jeito que se contava no passado. Acho que é a primeira coisa que tem que ser dita”, afirma.

Procurado, o ONS afirmou em nota que deve iniciar um projeto em 2022 para “identificar mudanças no regime de vazões e das principais variáveis meteorológicas de interesse para operação do SIN (Sistema Interligado Nacional) e investigar as suas causas”. O SIN é o sistema de geração e transmissão de energia elétrica no Brasil, e o projeto citado será resultado de um convênio firmado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e o Banco Mundial.

Segundo o órgão, a análise por meio do histórico é a melhor para o planejamento da operação. “Não há análises disponíveis que permitam, com segurança, estabelecer uma forma melhor de representar o comportamento das vazões nas atividades de planejamento e programação da operação do que aquela que tem base no histórico de vazões do SIN”, afirma em nota.

Já o MME destaca que é membro ativo do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e que o país é signatário do Acordo de Paris. “Na interface clima e energia, o Ministério de Minas e Energia atua nas questões relacionadas tanto à mitigação das emissões dos gases de efeito estufa quanto à adaptação aos impactos das variáveis climáticas que incidem sobre as diversas tecnologias de oferta de energia.”

A pasta afirmou ainda que a garantia física –medida que determina a quantidade máxima de energia que uma usina pode gerar– é obtida “com o uso de modelos de simulação e de otimização energética que utilizam, dentre diversos parâmetros, as vazões afluentes às usinas”.

“Portanto, caso haja alteração das vazões provocada, não somente pelas mudanças climáticas, mas pela alteração de cobertura vegetal, uso e ocupação do solo, retirada de água dos rios para outros usos etc, a revisão da garantia física da usina capturará esta alteração”, completa.

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