SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Adaptação, digitalização, reinvenção e agilidade foram as palavras-chave para micro e pequenas empresas do setor de turismo sobreviverem à crise. Segundo pesquisa do Sebrae e da FGV (Fundação Getulio Vargas), 91% delas registraram queda no faturamento mensal, percentual mais alto do que em qualquer outro setor no Brasil.
O segmento lidera entre aqueles que tiveram o lucro mais afetado, com índice de -68% em relação a uma semana anterior à pandemia, empatado com a economia criativa. O estudo, realizado em maio e junho, mostrou que só 9% das empresas turísticas estavam funcionando do mesmo modo que antes da Covid.
“Até gigantes como Booking e Airbnb sofreram, mas uma companhia grande tem maior mobilidade para se voltar a novos produtos”, diz Ana Clévia Lima, analista do Sebrae especializada em turismo. “A primeira, por exemplo, começou a alugar casas de luxo isoladas, modalidade que explodiu com o home office.”
De acordo com o Sebrae, dos 201.873 negócios do ramo existentes no país, 89,3% (180.350) são MEI (microempreendedores individuais), ME (microempresas) ou EPP (empresas de pequeno porte) os dados excluem a categoria de alimentação fora do lar.
Entre janeiro de 2020 e junho deste ano, 18.738 empreendimentos turísticos encerraram suas atividades formalmente. “Quem sobreviveu não só se adaptou mas também foi muito ágil”, afirma Lima. “Esses empresários ampliaram a atuação no digital e lançaram novidades que seguem as tendências trazidas pela Covid.”
Fã de ciclismo desde criança, Thiago Rampone, 42, investiu num novo negócio quando viu a agência convencional que o pai fundara em São Carlos (interior de São Paulo), há 45 anos, parada. Nascia a Cicle Tour, que organiza roteiros de bicicleta em montanhas e praias nacionais.
A empreitada deu tão certo que ele comprou um sítio na região que é seu xodó, a Serra da Canastra (MG), onde vai construir um bike-hotel e uma pousada. Paralelamente, já tem contatos para levar grupos de ciclistas à Patagônia e Europa quando as restrições acabarem.
“Uma porta abriu várias outras. Com minha empresa tradicional, nada disso teria acontecido”, diz Thiago. “Se não fosse a pandemia, eu estaria sentado no meu escritório. Hoje meu computador é o meu celular, e eu trabalho na serra, na praia, em casa.”
As mudanças de comportamento que o coronavírus imprimiu entre os viajantes também fizeram Joaquim Magno de Souza, 59, enxergar uma oportunidade. Sua operadora receptiva de 18 anos, a Roraima Adventures, voltada a passeios em comunidades indígenas e no Monte Roraima, fronteira com a Venezuela, ainda não voltou a operar.
“Com os nossos principais produtos suspensos, tivemos que nos reinventar”, conta ele, que apostou no mercado regional e migrou para a Serra Grande, a 50 km de Boa Vista (RR), onde arrendou um empreendimento com oito cachoeiras por cinco anos e proposta de compra ao final.
Novos serviços foram criados, como uma área de alimentação e outra de pernoite em camping. “Estamos construindo ainda quatro chalés para seis pessoas cada um”, conta Joaquim. “O que deu confiança foi saber que o turismo de natureza seria a bola da vez na retomada. O sítio é remoto, isolado, mas com fácil acesso. E tinha que ser no entorno da capital, para o pessoal ir com seus carros.”
Considerando apenas as atividades de alojamento, transporte aéreo e agências de viagem, a arrecadação em 2020 caiu 42% em relação ao ano anterior, segundo o Ministério do Turismo e o IBGE.
Os segmentos mais impactados do setor variam seguindo a realidade de cada destino, já que alguns ficaram fechados por mais tempo. De maneira geral, eventos, corporativo, agências receptivas ou emissivas, intercâmbio e hotelaria puxam a fila.
Se grandes redes de hotéis transformaram suas instalações em escritório, pequenos empresários usaram criatividade, inovação e zelo com as regras sanitárias para resistir.
“Uma das principais mudanças identificadas pelas agências é a maior procura por locais que seguem com rigor os protocolos de segurança”, diz Magda Nassar, presidente da Abav Nacional (Associação Brasileira de Agências de Viagens), responsável pela distribuição e venda de 80% dos produtos de turismo no país.
Dono das pousadas Encantes do Nordeste e Jurará, além do restaurante Bambaê, todos nos Lençóis Maranhenses, o casal Maria Luiza da Silva, 44, e Edvaldo Ugarte, 64, adaptou o funcionamento à nova realidade e viu a demanda crescer.
Agora, é preciso agendar o horário do café da manhã para evitar aglomerações; apartamentos ficam vazios por 24 horas antes da entrada de novos hóspedes; e um protocolo para a sala de massagem foi estabelecido. Já transfers e passeios só acontecem no formato privativo, sem compartilhamento com outras famílias.
“Estamos numa situação melhor hoje do que antes da pandemia. O público do restaurante, à beira do rio e com ventilação natural, dobrou”, compara Edvaldo. “As pessoas querem ir para lugares afastados, onde as atividades são feitas ao ar livre. A tendência favorece os nossos negócios.”
Turismo foi ainda a categoria que mais se digitalizou durante a crise. A pesquisa do Sebrae e da FGV apontou que 85% das micro e pequenas empresas do setor estão vendendo pela internet, índice superior à média geral, de 67%.
Atualmente, vem do digital quase 90% das vendas da Ao Sul Natural, operadora de Imbituba (SC) especializada na Rota da Baleia Franca. O dono, Felipe Uszacki, 36, fez curso de redes sociais do Sebrae e recebeu monitoria individual.
“O fluxo em 2021 está tão grande que precisei contratar uma agência, que cuida das redes, e um vendedor, que toca o atendimento. Em julho, faturei cinco vezes mais do que no mesmo mês de 2019”, diz.
Felipe lançou novos produtos, de roteiros individualizados a guias que percorrem o litoral no carro do cliente.
Para ele, a recuperação é fruto de um conjunto de fatores. “Além de ter investido no digital, as viagens hoje são muito regionais, e destinos com baixa densidade turística estão em alta”, diz. “O forte daqui é o verão; na temporada de baleias, entre julho e outubro, as praias ficam desertas.”