SÃO PAULO, SP (FOLHAPRES) – Investir em um ativo inovador e que garante retorno fixo a taxas muito superiores a quaisquer aplicações tradicionais e que, além disso, é acessível por meio de transações simplificadas e intermediadas por pessoas de confiança, como parentes e amigos.
Essa é a receita de um golpe centenário e que continua atraindo vítimas: a pirâmide financeira.
Na última quarta-feira (25), a Polícia Federal deflagrou uma operação para, segundo as investigações, desmontar um esquema milionário de pirâmide financeira que atraía investidores com a promessa de aplicações em criptomoedas.
Realizada em conjunto com a Receita Federal e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público Federal, a operação Kryptos prendeu o suspeito de organizar o suposto esquema, o empresário Glaidson Acácio dos Santos, responsável pela GAS Consultoria Bitcoin, com sede na Região dos Lagos (RJ).
A defesa de Santos nega a existência do esquema de pirâmide e garante que o retorno oferecido aos clientes é resultado da gestão eficiente realizada pela GAS no mercado de criptomoedas.
De acordo com o relato de uma cliente, que foi convencida a contratar a GAS por uma pessoa próxima à sua família, o retorno prometido é de 10% do valor total investido por mês, durante um período de 24 meses. Ao final desse prazo, a empresa afirma que devolverá o valor aplicado.
No caso relatado à reportagem, um investimento realizado pela família há pouco mais de seis meses foi de R$ 100 mil e, até o momento, os pagamentos estão em dia: R$ 10 mil por mês.
Para a Polícia Federal, porém, os ganhos prometidos são insustentáveis, posição que é reafirmada por especialistas.
O retorno mensal de 10% em um período em que a taxa básica de juros (Selic) está em 5,25% ao ano é o principal sinal de que a aplicação é inviável, diz Mayra Lima, especialista em investimentos da corretora Guide.
O argumento da suposta aplicação em criptomoedas é eficiente para convencer leigos, segundo Lima.
“Estamos falando de um ativo que ainda não tem regulamentação no país, então, parece que é uma terra de ninguém”, diz a especialista.
“Existem fundos que investem em bitcoin, mas quando a gente fala em renda variável, como é o caso da aplicação em criptomoedas, não é possível garantir retorno fixo porque não sabemos se elas irão continuar se valorizando”, explica.
Se o retorno fixo de aplicações assim é impossível, como explicar que vítimas de esquemas do gênero recebam pagamentos em dia?
Esse enigma é explicado pelo esquema Ponzi, como ficou conhecido o sistema de pirâmide financeira operado nos Estados Unidos pelo imigrante italiano Charles Ponzi, na década de 1920.
O calote em pirâmides ocorre em algum momento ao menos para ao menos uma parte dos investidores -provavelmente aqueles que ingressarem por último-, afirma o especialista em investimentos Marcelo Cambria, professor e coordenador de pós-graduação da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado).
“No sistema da pirâmide financeira, a principal receita é a remuneração pela indicação de novos membros. As vítimas são atraídas pela oportunidade de aportar recurso, ganhar lucros muito acima daqueles que são possíveis dentro das condições habituais do mercado”, diz Cambria.
“Isso impressiona muito quem cai no golpe. É uma estrutura financeira que parece investimento, mas na prática não funciona desta forma já que não haverá recursos para todos em um eventual saque generalizado de todos os integrantes. É um produto que promete e não entrega, porque ele é baseado em crescimento permanente da base: quem entra financia os participantes mais antigos mas, como não gera rendimento, a estrutura não se sustenta”, afirma.