BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Monitoramento feito pelo governo federal detectou que a relação entre inflação, crise elétrica e retomada da atividade, mesmo no cenário otimista desenhado pelo Ministério da Economia, tem potencial para causar efeitos colaterais negativos.
A recuperação da atividade pressiona o setor elétrico e a inflação. Ao mesmo tempo, a crise hídrica impacta os preços com reajustes de tarifas de energia e cria travas para o crescimento, o que é chamado de “ciclo perverso” pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia).
A pasta acompanha o balanço entre esses fatores para avaliar possíveis consequências econômicas.
Acompanhamento interno aponta que uma retomada mais intensa da indústria deve tensionar ainda mais o sistema elétrico e ampliar a pressão sobre o custo da eletricidade. Em cenário otimista, a retomada mais forte se daria em serviços, que demandam menos energia. O setor foi fortemente prejudicado pela pandemia de Covid-19 e ainda não iniciou uma recuperação consistente.
Nesse caso, porém, a inflação de serviços, que ainda está baixa, tende a subir com força. Em maio, o setor registrou queda (deflação) de 0,15% nos preços. No acumulado em 12 meses, o índice ficou em 1,75% até maio.
A equipe econômica não vê cenário de apagão e afirma que o sistema elétrico brasileiro tem capacidade de passar este ano sem maior trauma. Técnicos reconhecem, no entanto, que a conta da crise será salgada e pode atrapalhar a retomada da atividade.
Nos 12 meses até maio, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), alcançou 8,06%.
Neste ano, a meta estabelecida para a inflação é de 3,75%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. O limite máximo, portanto, é de 5,25% no encerramento de 2021.
Membros do Ministério da Economia afirmam que a pressão inflacionária causada pela crise hídrica já está colocada e deve se intensificar. Por se tratar de um choque causado pela maior seca em décadas, a avaliação é que não será possível reverter essa elevação de custos a curto prazo.
Mas as projeções da pasta ainda preveem que a inflação ficará dentro dos limites neste ano. A avaliação é que o índice deve atingir o pico em julho, para um patamar próximo a 8,5% no período de 12 meses. A partir de agosto, recuaria gradativamente até encerrar o ano em 5,1%, abaixo do teto da meta.
Mais pessimista, o BC (Banco Central) já prevê estouro do teto em 2021, com 5,8%, 0,55 ponto percentual acima do teto. A simulação da autarquia projeta que a inflação alcance 8,5% no acumulado de 12 meses em agosto e caia progressivamente até dezembro.
O Ministério da Economia considera três fatores para apostar na melhora. O primeiro pressupõe que a valorização recente do real terá impacto favorável sobre a inflação. Isso porque uma série de produtos consumidos em grande escala no país são precificados em dólar, como carne, açúcar, café e óleo de soja, além de combustíveis. O dólar mais baixo também barateia o que o Brasil importa, como componentes eletrônicos e insumos agrícolas.
Para um técnico da pasta, o BC está atuando de olho no câmbio e em seus efeitos sobre a inflação. A partir de março, quando a autoridade monetária iniciou o processo de alta da Selic (taxa básica de juros), o dólar iniciou uma trajetória de queda, descendo de um patamar próximo a R$ 5,80 para aproximadamente R$ 5,00 neste mês.
O segundo fator que colabora para acomodar a inflação, na análise da pasta, é a expectativa de mercado. A percepção é que a manutenção do compromisso fiscal do governo e a confiança no BC, agora com autonomia formal, tende a colocar as estimativas de analistas para a inflação dentro dos limites da meta.
Por fim, a equipe econômica conta com uma ajuda do efeito de comparação. Como o segundo semestre de 2020 teve inflação muito alta, o IPCA acumulado em 12 meses segue elevado por reflexo dos dados do ano passado. Nos próximos meses, essa distorção deve se dissipar.
Em evento da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) em 25 de junho, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que um ponto importante a ser destacado é que, no âmbito qualitativo do índice, a inflação de bens está muito alta e a de serviços está muito baixa.
“Esse misto de fatores vai fazer com que a gente tenha uma recuperação econômica com inflação mais baixa. Mas tudo depende dessas duas premissas, e existe um hiato que vai fazer com que [mesmo depois da retomada] haja uma maior demanda [de serviços] sem ter efeito de preço”, disse.
Para o BC, há espaço considerável para retomada do setor de serviços com avanço da vacinação e melhora no quadro geral da pandemia.
“Pela perspectiva do valor adicionado, os três setores da economia cresceram no trimestre. O setor de serviços –particularmente as atividades mais afetadas no início da pandemia, como transportes e outros– ainda permanece abaixo do nível do fim de 2019, sugerindo espaço para recuperação adicional em cenário de arrefecimento da crise sanitária”, diz o relatório de inflação da autarquia, divulgado no mês passado.
Mesmo com a pandemia ainda em curso, a expectativa do BC é que a economia continue em crescimento porque, segundo o relatório, a atividade se adaptou à pandemia.
O texto afirma que o agravamento da pandemia em março deste ano teve efeito econômico menor que o observado no início da crise, no mesmo mês de 2020.
O BC elevou a projeção para o PIB de 2021 de 3,6% para 4,6%. A projeção do Ministério da Economia está em 3,5%, mas deve ser revista para cima neste mês.
Na visão do BC, em contrapartida, a disseminação de novas variantes –mais contagiosas e mais resistentes à imunização– do vírus, a dificuldade para obtenção de insumos em cadeias produtivas e a crise hídrica poderiam trazer riscos à retomada.
Além disso, há uma discussão sobre a surpresa positiva no desempenho da economia no primeiro trimestre, que cresceu acima das expectativas do mercado. A avaliação é que parte da recuperação esperada para quando a pandemia estivesse mais contida pode ter sido antecipada, “o que contribuiria para um crescimento mais lento ao longo do segundo semestre”, segundo o BC.
Como a perspectiva é mais positiva que negativa para a atividade econômica no segundo semestre, o BC anunciou na mais recente reunião do Copom (Comitê de Política Econômica) que não descarta acelerar o ritmo do aperto monetário.
Na ocasião, o BC elevou a Selic pela terceira vez seguida em 0,75 ponto percentual, para 4,25% ao ano, como resposta à crescente escalada de preços. O mercado prevê que os juros terminem o ano a 6,5% ao ano e permaneça no patamar até pelo menos 2024.
Para José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV-Ibre, o setor de serviços não deve mostrar recuperação tão rápida no segundo semestre. “Para que isso ocorresse, o mercado de trabalho deveria estar mais aquecido, o que, infelizmente, não ocorre”, ponderou.
O economista segue a tese de que a recuperação foi antecipada e que o crescimento do ano será puxado pelo primeiro trimestre.
Segundo ele, a inflação deverá chegar a 6,30% em dezembro, puxada por fatores como crise hídrica e alta nos preços das commodities.