A pandemia de covid-19 mudou o perfil do rendimento domiciliar no País. O pagamento do auxílio emergencial elevou a participação de programas de transferência de renda no orçamento disponível. Por outro lado, o extermínio de empregos reduziu a participação da renda proveniente do mercado de trabalho, enquanto a mortalidade da pandemia entre idosos e dificuldades operacionais do INSS em conceder benefícios enxugaram a contribuição de aposentadorias para o sustento das famílias brasileiras.
Sob o choque da pandemia, 8,1 milhões de brasileiros deixaram de ter renda proveniente do mercado do trabalho em 2020, indicando que, na média do ano e já considerando as recolocações em meio à recuperação da economia após o choque inicial da crise sanitária, esse contingente perdeu o emprego, incluindo formais e informais.
Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2020 – Rendimento de todas as fontes, divulgada nesta sexta-feira, 19, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O número de pessoas com rendimento de trabalho caiu de 92,8 milhões em 2019 para 84,7 milhões em 2020, de 44,3% para 40,1% do total de habitantes. O número de pessoas recebendo outros rendimentos saltou de 16,4 milhões em 2019 para 30,2 milhões em 2020, de 7,8% para 14,3% da população.
O grupo de pessoas que recebiam aposentadoria e pensão encolheu de 13% da população brasileira em 2019 para 12,4% em 2020, de 27,4 milhões para 26,2 milhões. A queda no número de pessoas recebendo aposentadorias e pensões se deve à pandemia.
“Pode ser efeito da mortalidade da covid-19, mas também de um represamento do INSS em liberar os benefícios, porque as agências de atendimento estavam fechadas, as pessoas não conseguiam fazer perícias”, lembrou Alessandra Scalioni Brito, analista do IBGE.
Entre os mais de 71 milhões de lares existentes no País, a proporção de domicílios com ao menos um morador recebendo outros programas sociais saltou de 0,7% em 2019 para 23,7% em 2020, sob efeito do pagamento do auxílio emergencial.
Houve aumento na incidência desse tipo de renda em todas as regiões, sobretudo no Norte (de 0,5% em 2019 para 32,2% em 2020) e Nordeste (de 0,8% para 34,0%). Ao mesmo tempo, caiu a proporção de famílias que recebiam o Bolsa Família (de 14,3% para 7,2%), porque parte desses beneficiários passou a receber o auxílio emergencial, explicou o IBGE. Já a proporção de domicílios que recebiam o Benefício de Prestação Continuada (BPC-LOAS) passou de 3,5% para 3,1% no período.
Entre os brasileiros que tinham alguma fonte de renda, o rendimento médio real de todas as fontes diminuiu de R$ 2.292 ao mês em 2019 para R$ 2.213 em 2020, uma queda 3,4%, já descontada a inflação do período. No Sudeste, o valor alcançava R$ 2.575, enquanto o menor era o do Nordeste, R$1.554.
Com a pandemia, o peso do rendimento do trabalho na composição do sustento das famílias atingiu a mínima histórica em 2020, segundo o IBGE. Quando considerados todos os moradores do domicílio, inclusive os que não possuem renda, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita encolheu 4,3%, dos R$ 1.410 estimados em 2019 para R$ 1.349 em 2020.
Os outros rendimentos ganharam participação na composição desse rendimento domiciliar per capita, passando de 3,4% em 2019 para 7,2% no ano passado. Já o peso do rendimento de trabalho caiu de 74,4% para 72,8%. Também caíram, no período, os rendimentos de aposentadoria ou pensão (de 18,7% para 17,6%), aluguel e arrendamento (de 2,4% para 1,5%) e pensão alimentícia, doação ou mesada (de 1,2% para 0,8%).
No entanto, o rendimento médio mensal real habitualmente recebido de todos os trabalhos (que não considera outras fontes de renda) teve uma expansão de 3,4% em 2020, chegando a R$ 2.447. A crise sanitária afetou mais os trabalhadores em posições mais vulneráveis, como os que atuavam por conta própria, aqueles sem carteira assinada no setor privado e os empregados domésticos. O extermínio dessas vagas com remuneração mais baixa contribuiu para a elevação da renda média de quem permaneceu trabalhando, explicou o IBGE.
Com menos pessoas trabalhando e mais beneficiários de programas sociais, ainda que temporariamente, o Nordeste foi a primeira e única região do País a registrar um porcentual de pessoas com rendimento de trabalho (32,3%) inferior ao das pessoas que recebiam rendimento de outras fontes (32,8%), categoria que inclui as transferências de renda do governo.