SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No início de 2021, Gabriel Milbrat, 19, já trabalhava há pouco mais de um ano em uma lanchonete do McDonalds em Curitiba (PR), quando passou a ser assediado por um superior. “Foi logo depois da virada do ano. Ele me abordava no banheiro e na área de almoço. Tenho dois emails pedindo socorro e mais o relato de uma cliente que viu em uma das vezes”, diz.
Naquela que foi a abordagem mais explícita, Milbrat relata ter sido acordado pelo assediador, quando esse ejaculou sobre ele. O funcionário do McDonalds dormia durante a pausa para o almoço.
Casos como o de Gabriel Milbrat integram o corpo de denúncias recebidas pela “Sem Direitos não é Legal”, campanha global que atende trabalhadores do McDonald’s no Brasil, e que estão em representação feita pela UGT (União Geral do Trabalhadores) ao Ministério Público do Trabalho.
As denúncias de práticas de racismo, assédio sexual e assédio moral vinham sendo apuradas desde o ano passado em um um procedimento preparatório. No último dia 22 de junho, a procuradora do trabalho Elisa Maria Brant de Carvalho Malta decidiu abrir inquérito civil para apurar as denúncias.
Com isso, a Arcos Dorados, maior franquia independente do McDonalds no mundo, passa a ser oficialmente investigada. A empresa diz, em nota, respeitar a apuração iniciada pelo MPT e afirma estar “colaborado ativamente, apresentando todas as informações solicitadas.”
O advogado Alessandro Vietri diz que a apuração em São Paulo começou no ano passado. Inicialmente, a UGT acionou a procuradoria no Paraná, em uma representação que apontava práticas anti-sindicais pela rede de lanchonetes, devido à alta rotatividade de suas unidades.
No decorrer desse procedimento preparatório, que incluiu a coleta de depoimentos de funcionários e ex-funcionários, foram identificados relatos recorrentes de assédio e discriminação.
“Localizamos as ações [contra a empresa] na Justiça do Trabalho e, desse universo, são muitas as reclamações de assédio e racismo em meio a outras queixas. Começamos a nos perguntar o que estava acontecendo”, diz o advogado.
Por isso, segundo Vietri, o caso foi desdobrado e encaminhado para São Paulo, onde poderia ser apurado pela coordenadoria de promoção à igualdade, que acompanha denúncias de racismo e assédio.
Durante o procedimento que deu origem ao inquérito, a Arcos Dorados disse à procuradora que, na capital paulista, recebeu 136 denúncias de assédio moral e/ou sexual nos 171 restaurantes da cidade. A rede informou ter 13,5 mil funcionários. No ofício, apontou que havia “menos de uma denúncia por restaurante”.
Desse total, a empresa disse que 24 denúncias foram consideradas procedentes, 50, em parte, e 51, improcedentes. As outras ainda demandavam apuração ou faltavam informações. Esses procedimentos, disse a Arcos Dorados, resultaram na demissão de 17 empregados.
Para a procuradora, a rede de lanchonetes não apresentou, no decorrer da apuração preliminar, documentos que comprovem a adoção de posturas que combatam comportamentos abusivos.
“Poderia, por exemplo, ter trazido ao procedimento, os relatórios conclusivos das apurações realizadas dos casos que mencionou apenas estatisticamente, termos de rescisão do encerramento dos contratos de trabalho dos 17 empregados que considerou de fato serem responsáveis por irregularidades, formulários das entrevistas com seus trabalhadores na ocasião (…), dentre outras provas idôneas de sua conduta, caso efetiva e diligente”, afirmou a procuradora do trabalho, em despacho.
A UGT levantou pelo menos 22 casos levados à Justiça do Trabalho, nos quais ex-funcionários relatam agressões, assédio sexual, homofobia e transfobia. Muitos, porém, não chegam a formalizar as queixas no judiciário trabalhista, segundo o advogado.
“A maioria nem chega na Justiça, ou porque a empresa faz acordo, ou porque eles desistem. São, em geral, trabalhadores muito jovens”, afirma.
Na avaliação do advogado, a investigação foi necessária porque a franquia do McDonalds não conseguiu, até agora, demonstrar de maneira consistente que políticas internas adota de modo a coibir comportamentos abusivos. Para ele, os depoimentos colhidos pela central sindical e enviados ao MPT apontam para omissão da rede.
Gabriel Milbrat, que relata ter sido assediado por um responsável pelos treinamentos na loja em que trabalhava, diz só ter sido ouvido por um superior depois que conseguiu registrar o assédio em fotos e áudios.
“Consegui o contato de um consultor, que é quem manda em todos os gerentes e ele pediu para a gente se encontrar. Expliquei o que estava acontecendo e ele disse que o melhor seria me transferir e que ninguém ficaria sabendo da minha denúncia”, relata.
Não foi bem o que aconteceu. No novo posto de trabalho, poucos dias depois de começar, colegas o abordaram sobre o episódio. “Mas a visão deles era totalmente deturpada, de que eu tinha tido relações com ele”.
Até a última segunda-feira (5), Gabriel Milbrat ainda era funcionário da empresa, contra quem foi à Justiça do Trabalho para pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho.
“Ficou insuportável trabalhar. Eu não acho certo eu pedir demissão, então pedi minha rescisão na Justiça. Vou me identificar porque não fiz nada de errado. Fui tratado como mentiroso e só pesou para o meu lado”, diz Milbrat.
Em nota, a Arcos Dorados diz reiterar “seu total compromisso com a promoção de um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso, onde as pessoas se sintam seguras e tenham liberdade plena de expressão, e reforça que não tolera nenhuma prática de assédio ou discriminação.”
A rede afirma manter uma política de ambiente de trabalho seguro e respeitoso para conscientizar “sobre o propósito da empresa de ser um local no qual as pessoas possam se desenvolver, livres de discriminação, assédio e represálias.”
A Arcos Dorados afirma também que, além de treinamentos com gestores e funcionários, mantém um canal chamado “linha ética”, por meio do qual os funcionários podem formalizar denúncias de maneira anônima. “Todas passam por uma rigorosa investigação e, a depender do resultado apurado, são tomadas as providências cabíveis.”