BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A reforma do IR (Imposto de Renda) proposta pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) fará uma injeção direta de R$ 22 bilhões no bolso da classe média em 2022, ano eleitoral. No ano seguinte, porém, o ganho deve ser reduzido quase pela metade porque cerca de R$ 10 bilhões terão de ser devolvidos pelos contribuintes ao Tesouro.
Na reformulação das regras para as pessoas físicas, a correção da tabela do IR (benéfica ao contribuinte) já valerá no ano que vem se o projeto for aprovado até 31 de dezembro deste ano. Os assalariados terão menos imposto retido nos contracheques em 2022.
No entanto, especialistas apontam que apenas na declaração do ano seguinte passaria a valer a regra que limita o mecanismo do desconto simplificado.
Isso significa que na hora de fazer o ajuste do imposto em 2023 (referente aos rendimentos de 2022), quase 8 milhões de pessoas serão impedidas de fazer a declaração simplificada. Parte delas pagará mais imposto com a mudança, gerando um ganho anual de R$ 10 bilhões ao governo.
O texto amplia a faixa de isenção do IR da pessoa física dos atuais R$ 1.903,98 de renda mensal para R$ 2.500. As outras faixas de tributação também são corrigidas, mas em proporção menor.
Para compensar parte do custo dessa medida, o governo propôs um teto para a declaração simplificada.
Hoje, o mecanismo dá desconto automático de 20% sobre os rendimentos tributáveis, com limite de R$ 16.754,34 (correspondente a uma renda anual de R$ 83.771,70).
Pela proposta, o direito a usar esse sistema será dado apenas a contribuintes com renda tributável anual de até R$ 40 mil.
De acordo com o economista Rodrigo Orair, especializado em política fiscal e tributação, o efeito da reforma coincidirá com o ciclo político, colocando quase R$ 22 bilhões nas mãos da classe média para reativar a economia em ano eleitoral.
Esse ganho será direto no contracheque do trabalhador, com desconto menor do imposto. Orair ressalta que, por outro lado, o ônus provocado pela restrição da declaração simplificada ficará apenas para o ano seguinte.
“São aqueles prejudicados pelo fim do modelo simplificado. Eles só descobrirão isso quando forem fazer a declaração de ajuste anual em 2023. Tarde demais, as eleições já passaram”, diz.
Segundo o economista, o ganho com a correção da tabela do IR será maior do que a perda com o fim da declaração simplificada para a maioria das pessoas, com exceção de 2 milhões de contribuintes, que poderão pagar mais imposto com a mudança ou terão restituição menor.
De acordo com estimativas do economista, os trabalhadores formais com renda mensal de R$ 6.600 até aproximadamente R$ 8.400 serão os contribuintes com maior chance de serem prejudicados pelas mudanças.
Se essas pessoas não tiverem deduções adicionais a fazer na declaração do IR, passarão a pagar mais imposto.
O texto da reforma do governo, mantido pelo relator Celso Sabino (PSDB-PA), diz que a partir do ano-calendário de 2022 o desconto simplificado será liberado para aqueles contribuintes que, no ano-calendário, tiveram renda auferida de até R$ 40.000.
A Folha enviou questionamentos à Receita Federal ao longo da semana passada, mas o órgão não esclareceu a questão.
Primeiramente, o fisco limitou-se a dizer que, “caso não haja redação expressa referente à anterioridade, o desconto valerá para 2022”, mas não explicou se estava se referindo à manutenção do direito ou à sua limitação.
Novamente questionada, a Receita afirmou que “tudo depende de como será aprovado” e não deixou claro o momento de aplicação da medida proposta pelo governo. Procurada mais uma vez com pedido de esclarecimento, não respondeu.
Reservadamente, um dos formuladores da reforma do IR disse que está correta a avaliação de que o limite ao desconto simplificado apenas passará a valer na declaração de 2023, sobre os rendimentos do ano-calendário de 2022.
No entanto, as contas do governo sobre os efeitos da medida nas contas públicas considera que o impacto da limitação do desconto simplificado já será gerado no ano que vem.
Nota explicativa da Receita afirma que a economia com essa restrição será de R$ 9,98 bilhões em 2022, R$ 10,69 bilhões em 2023 e R$ 11,41 bilhões em 2024.
O fisco também não disse se o impacto previsto para o ano que vem se refere ao conceito de competência, que considera a declaração de 2023 referente ao imposto devido em 2022.
Orair explica que o limite ao desconto simplificado não poderia valer já na declaração de 2022 porque ele se refere ao imposto devido em 2021. Essa possibilidade faria, na prática, com que contribuintes pagassem mais imposto relativo a um período anterior à reforma, o que não é permitido.
“A rigor, as mudanças no Imposto de Renda estão sujeitas ao princípio da anualidade. Só valem para o exercício seguinte, para o contribuinte se preparar. O ajuste de 2022 se refere ao ano-calendário de 2021. Logo, feriria o princípio da anualidade”, afirmou.
O sócio tributário do escritório Demarest Carlos Eduardo Orsolon concorda com essa avaliação sobre o prazo de aplicação das medidas.
Para ele, a correção da tabela do IR passaria a valer em 2022, mas a limitação do desconto simplificado apenas seria efetivada na declaração de 2023.
Para o advogado, se o projeto for aprovado, o limite ao desconto simplificado terá efeito arrecadatório positivo, mas vai gerar impacto negativo aos contribuintes que serão obrigados a fazer a declaração completa.
Orsolon diz acreditar que haverá aumento de burocracia porque a declaração completa exige que a pessoa guarde um volume maior de documentos e comprovantes.
“Enquanto na simplificada você calcula um percentual da sua receita e esse é o valor que você deduz, na completa, para deduzir qualquer despesa, você tem de ter a prova. Tem de ter a prova da despesa com educação, da despesa médica. Senão você gastou, mas não deduziu.”