BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O relator da medida provisória (MP) que abre caminho para a privatização da Eletrobras, senador Marcos Rogério (DEM-RO), alterou a proposta, que já foi aprovada na Câmara, para atender a pedidos de senadores da base do governo.
Mudanças desse tipo, que incluem no texto temas alheiros à proposta original, são chamadas de jabutis. No caso da MP da Eletrobras, a avaliação entre especialistas que acompanham a discussão é que os parlamentares usam o texto, que deveria tratar apenas da privatização da estatal, para ampliar privilégios de grupo privados da área de energia, gerando custos bilionários adicionais, que serão inseridos, no futuro, na conta de luz de todos os brasileiros.
O parecer sobre a MP da Eletrobras era esperado para o começo da tarde desta quarta-feira (16), mas foi apresentado por volta de 18h. Com o atraso, a votação da MP, que estava prevista para esta quarta, foi adiada para quinta-feira (17).
“Essas empresas, desde a sua criação, estão fortemente ligadas ao desenvolvimento das regiões onde atuam e, por conseguinte, a sua extinção, fusão ou mudança de domicílio, de forma célere ou inesperada, teria reflexos sociais e econômicos muito negativos”, argumenta o relator.
Outra emenda incluída no relatório prevê que, a partir de julho de 2026, todos os consumidores poderão optar pela compra de energia elétrica de qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica. Pelo texto, haveria uma redução gradual da demanda mínima para essa escolha livre.
A MP foi enviada pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de fevereiro. Foi uma sinalização ao mercado de que a agenda liberal de Guedes segue de pé.
De acordo com o texto, a privatização se dará da seguinte forma: haverá um aumento do capital social da Eletrobras pela emissão de ações ordinárias (com direito a voto), de forma a diluir a participação da União na empresa.
Assim, a União, que hoje tem a maioria das ações ordinárias da Eletrobras, passará a ser minoritária, em torno de 45%. A MP permite ainda que a União faça uma oferta secundária de ações, vendendo sua própria participação na empresa.
Um dos pontos mais criticados na proposta que deixou a Câmara e precisa ser avaliado no Senado trata de novos empreendimentos. O texto determina a contratação de 6 gigawatts (GW) em térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e de outros 2 GW em pequenas centrais hidrelétricas, reservando ainda 40% da demanda futura de energia a essa fonte.
A instalação desses empreendimentos gera polêmicas. Enquanto alguns dizem que a pulverização dos projetos no interior do Brasil favorece a economia nacional, outros afirmam que eles contrariam a lógica econômica, já que vão exigir investimentos bilionários na construção de gasodutos e linhas de transmissão apenas para favorecer grupos privados que atuam especificamente nesses locais do país.
No Senado, o relator alterou essa distribuição sobre as térmicas a gás, prevendo a contratação de 750 MW na região do Triângulo Mineiro, que foram descontados da cota das regiões Norte e Centro-Oeste. A mudança foi um pedido da bancada mineira, composta inclusive pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Além disso, há uma preferência de uso de gás natural produzido nas regiões Nordeste e Norte para as usinas termelétricas que forem instaladas, e privilegiar a instalação em duas capitais ou região metropolitana na região que não possuam ponto de suprimento de gás natural atualmente.
Representantes da indústria reforçam as críticas a esses projetos. Dizem que as exigências representam uma reserva de mercado, pois são energias caras e empresas não competitivas. O governo nega que essas medidas irão aumentar a tarifa de energia.
Beneficiados pela MP, os investidores em pequenas centrais hidrelétricas defendem que o estabelecimento de cotas de contratação dessas usinas corrige distorções regulatórias e evita a compra de energia gerada por combustíveis fósseis.
A AbraPCH, que reúne as empresas do segmento, argumenta que fontes concorrentes, como solar e eólica, têm incentivos tributários que não são dados às pequenas centrais hidrelétricas. “O setor de hidrelétricas tem sido massacrado nos últimos anos”, diz o presidente da entidade, Paulo Arbex.
O executivo alega que os leilões para a contratação de PCHs serão “competitivos” e estão alinhados a tendência mundial de incentivo a fontes renováveis. “Não é reserva de mercado”, afirma. A associação faz oposição à emenda que prevê a compra obrigatória de térmicas.
Para tentar viabilizar a votação, o texto passou a prever que os indicados a cargos da diretoria do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) passem a depender de aval do Senado. A avaliação na Casa é que houve falhas no enfrentamento da atual crise hídrica.
A MP entrou logo após ter sido publicada, em fevereiro, mas precisa do aval das duas Casas do Congresso após 120 dias. Esse prazo se encerra em 22 de junho.
O governo espera aprovar a proposta nesta quinta no Senado. Como houve mudança no texto, a Câmara terá que analisar a nova versão com prazo curto.
“Eu tenho cinco mandatos legislativos, eu nunca vi uma matéria complexa chegar sem a gente ter um relatório para poder apreciar o que que vai votar […] Como eu vou encaminhar uma votação desta perante meus liderados com a tranquilidade que minha consciência requer?”, reclamou o líder do PSD no Senado, Nelsinho Trad (MS), sobre o atraso na apresentação do relatório de Rogério.
Para evitar desgaste com a base, Marcos Rogério iniciou a leitura do relatório nesta quarta, mas a votação ficou para quinta.
O senador prorrogou, por exemplo, até 2035 subsídios para a geração de energia por meio de usinas termelétricas movidas a carvão mineral. Esse tipo de usina termelétrica é considerada a mais poluente. O incentivo a esse setor está previsto para acabar em 2027. A extensão do benefício foi um pedido de empresas desse segmento e da bancada de Santa Catarina, que tem cidades com economia baseada na extração de carvão.
Rogério afirma que essa medida irá “reforçar a segurança energética do Brasil” e evitará uma grave crise social nas regiões carboníferas.
A versão apresentada pelo relator desagrada o governo. A proposta foi alterada para, antes da privatização da Eletrobras, seja exigida a contratação de usinas térmicas a gás. Ou seja, a operação dependeria do leilão de termelétricas.
Essa sugestão chegou a ser apresentada na Câmara, mas o governo conseguiu ajustar o texto para que o leilão pudesse ocorrer após a privatização. No entanto, Rogério retomou a previsão de exigência de contratação dessas usinas a gás previamente. Para integrantes do governo, isso pode inviabilizar a desestatização.
Outro estado atendido foi o Piauí. Uma emenda apoiada pelo líder do centrão, senador Ciro Nogueira (PP-PI), pede que o estado receba uma indenização de aproximadamente R$ 260 milhões pela privatização da Cepisa (Companhia Energética do Piauí). Nogueira é um dos senadores mais próximos do presidente Jair Bolsonaro.
Entre as mudanças propostas por Rogério, está a vedação para que as sedes da Chesf, Furnas, Eletronorte e CGT Eletrosul (subsidiárias da Eletrobras), sejam extintas no prazo de dez anos.
Além de criticarem o atraso para apresentação do parecer, senadores demonstraram resistência em acatar as mudanças feitas pela Câmara dos Deputados. Simone Tebet (MDB-MS), líder da bancada feminina, classificou o texto que chegou ao Senado como “um monstrengo”.
“[A MP] Chegou ao Senado Federal recheada de jabutis, o jabuti maior é o artigo 19. Está ali o grande problema dessa MP. Remete ao setor energético uma grande insegurança jurídica e, ao país, lamentavelmente, uma instabilidade econômica sem precedentes”, disse se referindo à previsão de contratação de termelétricas a gás natural e pequenas centrais hidrelétricas.
O líder do Podemos, Alvaro Dias (PR), demonstrou insatisfação com a proposta e disse que irá orientar a bancada, terceira maior do Senado, a votar contra.
Dias apresentou um requerimento para impugnar quatro artigos acrescentado pelos deputados no texto, o que deixaria a matéria mais próxima da proposta elaborada pelo Executivo. No entanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, considerou que eles não tratavam de matéria estranha e negou o pedido.
Antes de iniciar a leitura do relatório, Marcos Rogério garantiu que alinhou as mudanças na MP com o relator na Câmara dos Deputados, Elmar Nascimento (DEM-BA).
“Ele [Elmar Nascimento] participou desse debate junto conosco, o tempo todo sabendo, dialogando. Alinhei com ele os principais pontos qie estavamos dialogando com senadores”, disse.
JABUTIS NA CÂMARA
Determina a contratação de 6 gigawatts (GW) em térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
Contratação de outros 2 GW em pequenas centrais hidrelétricas
Prorrogação do Proinfra (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica)
JABUTIS NO SENADO
– Indenização de R$ 260 milhões ao estado do Piauí pela privatização da Cepisa (Companhia Energética do Piauí)
– Prorrogação, até 2035, de subsídios para a geração de energia por meio de usinas termelétricas movidas a carvão mineral
– Possibilidade de os consumidores optarem pela compra de energia elétrica de qualquer concessionário, a partir de 2026
– Contratação de 6 gigawatts (GW) em térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e incluiu o Triângulo Mineiro
– Indicados a cargos da diretoria do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) passam a depender de aval do Senado.