BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O relator da medida provisória (MP) que abre caminho para a privatização da Eletrobras, senador Marcos Rogério (DEM-RO), apresentou uma nova versão do projeto nesta quinta-feira (17), retirando a exigência de contratação de térmicas movidas a gás natural antes da desestatização.
O recuo foi um pedido do governo, pois a avaliação de técnicos da equipe do presidente Jair Bolsonaro era que essa obrigação de contratos prévios poderia inviabilizar a privatização da Eletrobras. Isso porque os leilões das térmicas ainda dependeriam de novos empreendimentos.
Em entrevista coletiva nesta manhã desta quinta, Rogério não descartou a possibilidade de acatar mais emendas antes da votação final no plenário. “Enquanto o texto não for votado, cabe ao relator avaliar cada provocação, cada sugestão apresentada e acolher ou não. Então, sim, estou aberto até o final desse processo”, declarou.
Para tentar viabilizar a desestatização da Eletrobras, o Congresso incluiu na proposta uma previsão de contratação de 6 gigawatts (GW) em térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, e de outros 2 GW em pequenas centrais hidrelétricas.
A instalação desses empreendimentos gera polêmicas. Enquanto alguns dizem que a pulverização dos projetos no interior do Brasil favorece a economia nacional, outros afirmam que eles contrariam a lógica econômica, já que vão exigir investimentos bilionários na construção de gasodutos e linhas de transmissão apenas para favorecer grupos privados que atuam especificamente nesses locais do país.
Pelo novo texto, serão distribuídos 1.000 MW para a Região Nordeste, 2.000 MW para a Região Norte, 2.000 MW para a Região Centro-Oeste e 1.000 MW para a Região Sudeste, sendo 50% para estados produtores de gás natural e 50% para estados não produtores de gás natural na área de atuação da Sudene.
A versão anterior previa a contratação de 750 MW apenas na região do Triângulo Mineiro, e não em todo o Sudeste. Com a inclusão dessa região atende a uma emenda apresentada pelo líder do PL, senador Carlos Portinho (RJ).
Rogério havia apresentado uma versão nesta quarta (16) que exigia a contratação das térmicas a gás antes da privatização. No texto mais atual, protocolado nesta quinta, não há mais a determinação prévia de leilões eles ainda terão que acontecer, de acordo com o projeto, mas podem ser realizados após a desestatização.
A votação da MP (medida provisória) que abre caminho para a privatização da Eletrobras está prevista para esta quinta. Pelo calendário anterior, a análise do texto seria ainda na quarta, mas, por causa do atraso do governo e do relator em apresentarem o parecer, os líderes do Senado decidiram adiar a sessão para quinta.
A oposição ao governo e senadores independentes se posicionaram contra os jabutis da MP. Eles argumentam que as medidas irão encarecer a tarifa de energia elétrica, por prever subsídios a diversos setores.
O relator, porém, nega. “Hoje a energia que estamos tendo que comprar custa muito mais do que aquela que teremos a partir desses novos parques de produção termoelétrica movidas a gás”, disse o relator, lembrando que, por causa da falta de chuvas neste ano, foram acionadas usinas a óleo
Rogério alterou a proposta, que já foi aprovada na Câmara, para atender a pedidos de senadores da base do governo e ao lobby de empresas do setor.
Ele chegou a propor a prorrogação, por exemplo, até 2035 subsídios para a geração de energia por meio de usinas termelétricas movidas a carvão mineral.
Esse tipo de usina termelétrica é considerada a mais poluente. O incentivo a esse setor está previsto para acabar em 2027. A extensão do benefício é um pedido de empresas desse segmento e da bancada de Santa Catarina, que tem cidades com economia baseada na extração de carvão.
Após críticas e pedidos de líderes partidários, Rogério recuou também nesse item. “Estamos avançando para uma energia mais limpa e mais barata.[…] Em face dos apelos que recebi, estou fazendo essa mudança [retirando o trecho que iria prorrogar o benefício]”, explicou o senador
Mudanças desse tipo, que incluem no texto temas alheiros à proposta original, são chamadas de jabutis. No caso da MP da Eletrobras, a avaliação entre especialistas que acompanham a discussão é que os parlamentares usam o texto, que deveria tratar apenas da privatização da estatal, para ampliar privilégios de grupo privados da área de energia, gerando custos bilionários adicionais, que serão inseridos, no futuro, na conta de luz de todos os brasileiros.
Outro estado atendido foi o Piauí. Uma emenda apoiada pelo líder do centrão, senador Ciro Nogueira (PP-PI), pede que o estado receba uma indenização de aproximadamente R$ 260 milhões pela privatização da Cepisa (Companhia Energética do Piauí). Nogueira é um dos senadores mais próximos do presidente Jair Bolsonaro.
Para atender a um pedido da bancada de Roraima, o relator incluiu na proposta que a privatização da Eletrobras não irá impedir a continuidade das obras para que o estado seja interligado ao sistema elétrico nacional.
Apesar dos “jabutis” colocados no relatório, o governo ainda prevê uma votação apertada no plenário do Senado, que nos últimos anos se mostrou resistente à ideia de privatizar a Eletrobras.
Senadores da oposição e do centro continuam a manifestar insatisfação com o relatório. Lasier Martins (Podemos-RS) sugeriu que a votação fosse suspensa e classificou o texto de Marcos Rogério como “barganha”.
“A evolução do relatório se dá em função de acomodações e interesses bem localizados. Interesses de estados em troca de votos. Isso é barganha”, disse.
O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF), também adiantou que irá orientar a bancada a votar contra. O MDB está dividido, parlamentares como Simone Tebet (MS) e Veneziano Vital do Rêgo (PB) são contra, enquanto Eduardo Braga (AM) e Marcelo Castro (PI) são a favor.
Rogério também inclui no relatório a possibilidade de, a partir de julho de 2026, todos os consumidores poderem optar pela compra de energia elétrica de qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica. Pelo texto, deve haver uma redução gradual da demanda mínima para essa escolha livre.
Para tentar viabilizar a votação, o texto passou a prever que os indicados a cargos da diretoria do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) passem a depender de aval do Senado. A avaliação na Casa é que houve falhas no enfrentamento da atual crise hídrica.
O projeto prevê que a Eletrobras deverá realocar as famílias que estejam nas áreas que servirão para linhas de transmissão. Além disso, de acordo com o texto, os empregados da empresa deverão ser realocados em outras áreas do governo, como estatais, por 12 meses após a desestatização.