RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em outubro de 1999, o então governador de Minas Gerais, Itamar Franco, mobilizou cerca de 2.500 policiais para exercícios militares no lago de Furnas, uma das maiores hidrelétricas do país, em um ato contra a privatização da subsidiária da Eletrobras.
A venda da empresa era parte do programa de desestatização do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ex-ministro de Itamar, que prometia “ir até as últimas consequências” para impedir a operação e chegou a ameaçar desviar rios para reduzir a capacidade de geração da empresa.
As subsidiárias da Eletrobras haviam entrado no PND (Plano Nacional de Desestatização) em 1995.
“Na época bastava um decreto presidencial, não havia necessidade de lei”, recorda a economista Elena Landau, que comandou o programa de privatizações do governo Fernando Henrique.
O governo conseguiu vender quase todas as distribuidoras de eletricidade do Brasil e uma das subsidiárias da Eletrobras, a Gerasul, comprada pela belga Tractebel (hoje Engie) em setembro de 1998 por valor equivalente hoje a R$ 3,7 bilhões.
A resistência de Itamar, porém, acabou fortalecendo movimentos semelhantes em outras regiões contra a venda das outras grandes subsidiárias, a Chesf, que atua no Nordeste, e a Eletronorte, com operações no Norte.
Em 2000, o governo começou a enfrentar a crise hídrica que culminou no racionamento de 2001, e a privatização da estatal ficou em segundo plano, sendo enterrada definitivamente após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.
“O apagão foi uma altíssima conveniência para aqueles que eram contra a privatização de Furnas e da própria Eletrobras”, relembra Pedro Parente, que ocupava a Casa Civil de Fernando Henrique e liderou o programa de racionamento.
“As resistências sempre existiram e eram pluripartidárias.”
Os governos petistas deram uma guinada estratégica e decidiram fortalecer a Eletrobras, usando a empresa como um vetor de investimentos, ajudando a bancar projetos considerados estruturantes que não se sustentariam sem presença estatal, como as grandes usinas do rio Madeira e Belo Monte.
O tema voltou à pauta em 2017, já no governo Michel Temer (MDB). Em janeiro 2018, Temer assinou projeto de lei que previa a venda de ações da empresa em um processo de capitalização, no qual o governo continua sócio, mas com participação minoritária, mas o texto acabou não andando.
Nesse período, o governo iniciou um processo de enxugamento da empresa em preparação para a oferta de ações. Sob o comando de Wilson Ferreira Jr, a companhia vendeu ativos, integrou áreas administrativas e reduziu seu quadro de funcionários em mais de 50%.
O modelo de Temer foi abraçado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e envolve, hoje, uma empresa responsável por 29% da capacidade de geração e de 41% da capacidade de transmissão de energia no país.
A ideia é manter as subsidiárias existentes, separando apenas a parte responsável pela geração de energia nuclear nas usinas de Angra dos Reis, a Eletronuclear, já que a operação desse tipo de instalação é monopólio estatal.
As resistências ainda são fortes entre empregados e partidos da oposição, mas o governo conseguiu dobrar o Congresso com a concessão de uma benefícios a diversos segmentos e regiões nos chamados “jabutis”.
Indústria, setor de energia e mercado financeiro apoiam a privatização, mas passaram a engrossar as fileiras da resistência após a inclusão dos jabutis. Landau, por exemplo, questiona o propósito da apreciação do tema por MP, segundo ela uma maneira de acalmar o mercado depois da “intervenção desastrosa” na Petrobras.
“Não tenho a menor dúvida de que é um passo fundamental para que a gente possa começar um processo de trazer o preço da energia a um patamar adequado”, afirmou Parente, em evento na quarta (16), antes da votação. “Mas já vimos este filme antes: às vezes as medidas começam com um determinado propósito e vão se acrescentando no Congresso arabescos laterais.”