SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O desabafo de Arthur Nory após sua apresentação no solo em Tóquio, neste sábado (24), repercutiu do outro lado do mundo, mais exatamente no bairro do Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, na casa da família de dona Magali.
Ela é mãe do ginasta Ângelo Assumpção, que há um bom tempo não frequenta o seleto grupo do alto rendimento do esporte nacional. Desde que deixou o ginásio do Esporte Clube Pinheiros, que não renovou seu contrato, ele não foi procurado por nenhuma outra equipe.
“Meu filho denunciou atitudes racistas e está todo esse tempo tentando saber por que motivo não tem lugar nos clubes da ginástica brasileira”, queixou-se a mãe do atleta de 25 anos, que em 2015 foi alvo de ofensas racistas por parte de Nory, que comparou a cor da pele do companheiro de treino a um saco de lixo.
“Por que a vida de todos os outros atletas segue e a minha não? Estou há muito tempo sem poder trabalhar: isso é ou não é surreal?”, indagou Ângelo, que há dois anos está sem clube.
“Eu só assisti ao primeiro rodízio da competição”, comentou Ângelo, pouco depois de meio-dia deste sábado, parando momentaneamente o treino de uma hora e meia de duração, que fazia em uma academia no bairro próximo à sua casa.
“Não cheguei a ver a apresentação da equipe brasileira”, assegurou. “Fiquei sabendo dos resultados hoje pela manhã e pelas mensagens que recebi.”
“Treino aqui na academia para não perder a forma, corro também, mas não tenho espaço para exercitar os movimentos da ginástica. Faço um pouco apenas no quintal da minha casa”, lamentou o atleta, que se sente como um exemplo vivo de como funciona o racismo em nosso país.
“A prova do racismo estrutural: onde estão os empresários, onde estão os clubes, onde está a federação? Claro que a pandemia atrapalha tudo. Mas só para mim o mundo da ginástica parou? O mundo da ginástica continua para os outros atletas e até para quem teve as atitudes racistas.”
E ele prosseguiu em seu desabafo: “É preciso saber o que está acontecendo. Por que só eu não posso treinar? É preciso achar soluções. A solução encontrada pelo sistema foi me deixar de lado. E os meus sonhos? Não posso sonhar por ter uma história de resistência? Meu grande objetivo é claro: eu quero continuar minha história no esporte. Eu preciso de um clube para treinar”.
“Por isso não quero falar do que está acontecendo no Japão. Quero seguir a minha vida, como todos os outros atletas brasileiros estão seguindo. É um direito de todos. E é um direito meu. Somente a minha vida esportiva ficou parada. E esta estrutura precisa mudar: é preciso lutar contra o racismo sim.”
Perguntado sobre sua situação atual mais diretamente, se já encontrou um novo clube para competir, se recebeu propostas concretas, Ângelo esclareceu que as conversas são apenas superficiais: “Tento até hoje os contatos. Mas não apareceu nada que fosse mais efetivo. Algumas conversas, mas nada a mais para eu poder estar treinando. Na minha modalidade há necessidade do espaço: o treino da ginástica precisa de uma estrutura que não encontro na academia e não posso me manter no alto rendimento treinando somente no quintal”.
Os primeiros problemas aconteceram quando ele denunciou atitudes racistas em uma viagem da equipe brasileira em 2015. O episódio que ainda afeta Ângelo também atinge até o ginasta Artur Nory, que durante a classificação das equipes da ginástica masculina, caiu no solo, em que defendia a medalha de bronze do Rio-2016, e não foi bem na barra fixa, em que é o atual campeão mundial.
Com isso, Nory não fará nenhuma final no Japão. Após a sua apresentação em Tóquio, na sala de imprensa, Nory falou que competiu abalado por causa das cobranças que tem recebido nas redes sociais em decorrência de sua atitude de anos atrás: “Errei e assumi”.
Sem citar nomes, Ângelo reconheceu que erros foram assumidos, mas com uma ponderação: “Os atletas continuaram suas vidas, a minha parou.”