Prática comum no ambiente corporativo, o programa de jovens aprendizes ainda é uma realidade distante na maioria dos clubes brasileiros. Quem está abrindo suas portas e dando passo importante para mudar esse cenário é o Botafogo, que a partir deste trimestre selecionou 16 adolescentes para cumprir funções em cinco departamentos específicos em General Severiano: recursos humanos, marketing, financeiro, jornalismo e jurídico. Nenhum deles tem relação direta com futebol de base.
Quem lidera essa empreitada é Jorge Braga, CEO do Botafogo. Ele traz para o clube sua experiência como diretor da 360 Graus de Resultados e Participações, uma empresa de consultoria especializada em recuperação, transformação e aumento de receitas, assim como de sua passagem por companhias como Nextel, Embratel e Telemar.
“Ao longo dos últimos meses à frente do Botafogo, recebi muitas mensagens e pedidos de jovens para participar dos processos de transformação do clube. Eram diferentes dos pedidos tradicionais de jovens atletas sobre peneiras e testes. Esses jovens queriam ter a chance de juntar futebol e administração dentro da gestão de uma instituição esportiva”, conta.
“É como se uma nova possibilidade se abrisse para quem ama futebol e quer estudar e fazer a diferença fora das quatro linhas, e foi daí que surgiu a ideia de criar um programa formal de jovens aprendizes aplicados às várias áreas de gestão do Botafogo”, explicou o gestor, que fez questão de receber os primeiros “alunos” no estádio Engenhão.
Para Leonardo Casartelli, diretor de marketing do empregos.com.br e responsável por um canal exclusivo para orientação de carreiras, a medida adotada pelo Botafogo merece ser elogiada e serve como referência para outras agremiações esportivas.
“Quando olhamos as áreas de uma empresa e os departamentos de um clube, eles são muito parecidos, o que muda é o que está no contrato social. Mesmo os clubes possuem internamente as áreas de marketing, finanças, RH e jurídico, por exemplo. Programas desse tipo são muito comuns no mundo corporativo, especialmente em empresas de grande porte”, afirmou. “Hoje, já observamos uma mudança de direção dos clubes, indo para uma linha mais empresarial. O Botafogo é um exemplo disso, depois que o clube virou uma SAF. Naturalmente, as pessoas serão cobradas por resultados em cada uma dessas áreas internas, isso pode justificar trazer jovens aprendizes para reforçar essas frentes.”
Buscando aprofundar seus conhecimentos e aprendizados na área escolhida e de que gosta, Yana Gomes, de 19 anos, foi uma das selecionadas e não tem dúvidas das experiências que pode extrair durante este ano no clube. “Eu trabalho com futebol há dois anos, produzindo conteúdo para as redes sociais. Me matriculei em uma faculdade de jornalismo, conseguindo juntar duas paixões: a comunicação e o futebol. Recebi a oportunidade de vir para o Botafogo, um clube tradicional, e estou muito feliz com a oportunidade de aprender”, disse a estudante.
Com apenas 16 anos, Michel Bastos cresceu torcendo para o Botafogo e com o sonho de estar inserido na rotina do clube que ama, somando e colaborando para a evolução do alvinegro. “Ter a oportunidade de trabalhar no time do coração é uma experiência muito boa. Nesta turma, sou o mais novo, então vou buscar muito conhecimento com pessoas com mais experiência e espero amadurecer ao lado de todos. É a realização de um sonho fazer parte de um time mundialmente conhecido e com uma marca forte”, comentou.
Braga participou de todo o processo de construção da SAF no Botafogo. Ele comandou a reestruturação, profissionalização, “turnaround”, saneamento de dívidas, elemento de despesas, business plan e “valuation”, e em menos de 60 dias, conseguiu ajudar a trazer ao clube um broker internacional do tamanho da XP, e fazer todos os trâmites de venda para um investidor internacional estratégico. Na ocasião, o Botafogo foi o único a cumprir todos os passos da Sociedade Anônima do Futebol.
Com expertise necessária para este tipo de programa, o dirigente conta que esse tipo de inclusão pode fazer a diferença na vida das pessoas a médio e longo prazo. “Às vezes, não percebemos a dimensão do fator emocional no futebol, é a realização e a identificação pessoal de um indivíduo ou de uma família. Aprendi a respeitar isso quando vim para o futebol, porque nunca é só uma partida. Essa emoção e responsabilidade de fazer parte da vida de milhões de pessoas é algo que levamos muito a sério. A sensação que tinha é que gestão no futebol era vista como coisa burocrática, de segunda importância frente às vitórias do campo, e de alguma forma começamos a mudar essa visão equivocada.”
Dando continuidade ao projeto de sucesso em parceria com o Senac, o Gerente de RH do Botafogo, Axel Mandarino, está confiante com esta nova fase e entende a importância do programa para o clube.
“Nós iniciamos o projeto de jovens aprendizes em parceria com o Senac, com duração de 12 meses. A ideia era trazer novas caras e um novo fôlego para o Botafogo durante este processo de transformação. São jovens iniciando suas trajetórias profissionais, muitos deles têm entre 18 e 22 anos de idade. É o pontapé inicial de um projeto de carreiras no Botafogo, para rejuvenescer todo o nosso headscout. Será subdividido para cinco grandes áreas: recursos humanos, marketing, financeiro, jornalismo e jurídico. Todo o clube será agregado”, explicou Axel.
Casartelli compara a formação desses jovens com a mesma importância das categorias de base de um time de futebol. “Quando você forma esses profissionais desde cedo dentro do clube, você está preparando o futuro da empresa, assim como o clube tem a categoria de base. Você prepara um jovem que está entrando no mercado de trabalho, para que um dia ele possa ter uma progressão de carreira e um conhecimento aprofundado sobre o clube”, defende. “Esse é um processo tradicional dentro do mundo corporativo, porque se entende que um funcionário que é moldado dentro de casa, tende a ter um nível de entendimento maior do negócio. O mesmo vale para os clubes, muitas vezes é mais interessante ter um profissional assumindo posições, evoluindo para analista, coordenação e até uma gerência, do que trazer pessoas de fora, que não conhecem a cultura e a tradição da companhia.”