SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Os últimos serão os primeiros.”
O ditado muitas vezes usado como forma de consolar alguém que não obteve êxito serviu de lema para a dupla brasileira Luisa Stefani, 23, e Laura Pigossi, 26. Convocadas para as Olimpíadas de última hora, embarcaram para o Japão, onde garantiram o bronze neste sábado (31), uma conquista inédita para o tênis brasileiro.
As tenistas, que formaram parceria de última hora para atuar nos Jogos de Tóquio, têm algumas coisas em comum em suas trajetórias.
Ambas são naturais da cidade de São Paulo e, quando novas, eram boas em esportes bem diferentes do tênis, como ginástica e taekwondo, por exemplo.
A modalidade que rendeu à dupla e ao Brasil uma conquista inédita nas Olimpíadas era praticada apenas por seus familiares nesse período. Alguns deles até tentaram seguir carreira.
“Quem começou no tênis fui eu, a mãe”, reivindica Alessandra Stefani, que ainda se diz um pouco paralisada pelo feito da filha.
“Eu ia para a praia com o Arthur e a Lu [Luisa, a filha] e jogava frescobol com eles. Só que a minha bola ia para qualquer lugar, menos para eles. Aí fui aprender a jogar tênis para que no verão seguinte eu conseguisse brincar com eles. Todos [da família] aprenderam, menos eu”, ri.
Laura conheceu o tênis porque o pai, Herman, jogava com seu irmão, Lucas, dois anos mais velho. Competitiva desde cedo, queria participar. A ligação com o esporte foi imediata. Ela demonstrou talento desde as primeiras raquetadas.
“Ela jogava com um calçado maior que o pé, não tinha o número dela, não tinha roupa de criança [para o esporte]. A saia dela batia no joelho”, conta Naila, a mãe de Laura, Lucas e Marco, o caçula.
A diferença entre Laura e Luisa é que a primeira começou a praticar o tênis mais cedo. Enquanto uma dava os primeiros passos na modalidade aos 10 anos, a outra já disputava torneios pelo Play Tennis do Morumbi. Mas, por volta dos 15 anos, ambas decidiram deixar o Brasil para tentar seguir carreira no esporte.
Laura foi para a Espanha, onde o irmão mais velho tinha tentado a vida no tênis e depois entrado na faculdade.
A família toda de Luísa empacotou suas coisas e foi para os Estados Unidos.
As duas se conheciam do circuito, mas tinham jogado juntas apenas uma vez, em uma edição da Billie Jean King Cup (antiga Fed Cup) –e elas confessam que o entrosamento ali não foi dos melhores.
A inesperada convocação para as Olimpíadas surpreendeu também as famílias.
“Em Wimbledon, um comentarista da Bandsports comentou que ela e a Lu poderiam ir [estavam na lista de espera]. Uma amiga me ligou para perguntar, eu liguei para a Laura, e ela me falou que eu estava maluca: ‘Eu nem estou inscrita, nem a Lu’. Liguei para minha amiga para desmentir”, conta, rindo, Naila.
Atual 326 do ranking de simples da WTA (associação mundial de tenistas) e 188 de duplas, a jogadora não tinha posições que a credenciassem diretamente para os Jogos –dependia da compatriota.
Já Luisa, melhor brasileira da história do ranking (23ª colocada nas duplas), trabalhava para conseguir se classificar diretamente para as Olimpíadas –precisava entrar no top 10 do mundo para garantir a vaga.
Uma cirurgia no apêndice às vésperas de Roland Garros, no entanto, tirou dela essa chance. “Nesse momento foi duro, ficou um silêncio velado a respeito desse assunto, porque a gente sabia que era um objetivo nosso e dela”, lembra a mãe, Alessandra, sobre o clima na família.
“Quando ela me ligou e falou [da convocação], não contive as lágrimas. Para mim era um sonho. A Nadia Comaneci [lendária ginasta romena] era minha inspiração de criança, queria que a Luisa pisasse no solo sagrado olímpico”, continua.
“Foi o melhor presente que ela podia ter me dado”, diz o irmão Arthur, que fez aniversário naquele mesmo dia 16 de julho.
Dali em diante, ambas passaram por um turbilhão de emoções até a inesperada medalha.
“Tiveram alguns estresses antes da partida [da semifinal], porque as redes sociais dela começaram a estourar. Ela queria responder às pessoas e não dava conta. Conversamos, ela pediu pra eu tomar conta das coisas”, lembra o irmão de Luisa, que quando precisa faz as vezes de analista de vídeo e psicólogo, ao ouvir os desabafos.
A queda na semifinal frustrou as duas tenistas, ainda mais por vir em uma partida na qual elas levavam vantagem nos games iniciais. A virada das rivais culminou em derrota por 2 sets a 0.
Mas nada que se comparasse ao feito da dupla no jogo que valeu o bronze, quando as adversárias russas largaram na frente e tiveram quatro match points para fechar o duelo. Uma virada no tie-break e uma medalha históricas.
“A gente sabia que era um jogo duro, mais duro que a semi. Quando começou a pancadaria, elas não estavam respondendo bem. Já pensei ‘bom, chegaram até aqui, vai ser um aprendizado’. Mas aí veio aquela garra”, relata Naila.
A família Pigossi assistiu ao jogo em Santos, onde está isolada desde março de 2020. A avó, de 90 anos, acordou apenas para a partida e foi a única que dormiu desde então.
“Estava com uns 250 batimentos por minutos, o coração saindo pela boca, porque você sabe que a partir do tie-break tem muita sorte [envolvida]”, diz o pai de Laura, Herman.
“Estava na casa da minha sogra em Nova Jersey, eu era o único assistindo. Estava no chão, ajoelhado, pedindo um milagre, pra dar certo”, conta o irmão de Luisa, Arthur.
As brasileiras emendaram seis pontos seguidos e causaram praticamente um terremoto nos Estados Unidos.
“Eu acordei todo mundo, estou falando sério. Foi um berro só, mas forte. Tem cinco cachorros aqui, todos saíram latindo”, ele conta.
Laura desabou na quadra, chorando. Luisa a ergueu e lhe deu um abraço, e as duas comemoraram com a delegação brasileira. Quando elas estavam deixando a quadra, o narrador do SporTV se questionava sobre com quem elas poderiam estar falando.
“Ela ligou no nosso grupo, acho que nem todos conseguiram entrar naquele momento. Na hora [da vitória], eu fiquei congelada de emoção, em silêncio. Estou dura até agora”, completa a mãe de Luisa, Alessandra.
Aniversariantes do mês de agosto, tanto Laura (2) quanto Luisa (9) ganharam o presente antecipado: o pioneirismo de conquistar a primeira medalha do Brasil na história do tênis olímpico.
As últimas foram as primeiras.