O Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL) classificou no último fim de semana os seis times que vão participar dos playoffs (mata-mata) do segundo split da competição. O torneio começou no dia 11 de junho e contou com torcida presencial já na primeira fase – algo que não ocorria desde o auge da pandemia de covid-19. A final está marcada para 3 de setembro no Ginásio do Ibirapuera, mesmo palco que foi sede da grande decisão em 2016.
Os times classificados para a próxima etapa são: FURIA, RED Canids Kalunga, paiN Gaming, LOUD, KabuM! e-Sports e Miners. Quem sair vitorioso receberá o direito de representar o Brasil no Worlds, o Mundial da modalidade, do qual o País nunca saiu campeão. Apesar de ser considerada uma região menor no LOL, o campeonato nacional evoluiu muito desde sua primeira edição, e as organizações investem cada vez mais em melhorias de estrutura e profissionalização.
Além do retorno do público, a competição deste ano chama atenção pelo aumento do investimento por parte da Riot Games, produtora do jogo. No total, o CBLOL irá distribuir R$ 400 mil por split (etapa), com R$ 100 mil reservados ao vencedor – um aumento de cerca de 90% em relação à última temporada. Ainda este ano, também serão premiados os dez primeiros colocados, não mais apenas os seis mais bem classificados.
O CAMPEONATO
Os finalistas do torneio serão conhecidos em 28 de agosto, quando as duas melhores equipes avançam à final. O mata-mata é dividido em duas chaves: superior e inferior. A primeira irá integrar os quatro melhores colocados, que jogarão uma espécie de semifinal entre si. Os ganhadores avançam ao último confronto, que definirá quem irá para a grande final.
Os perdedores não ficarão de fora diretamente porque os playoffs do campeonato ocorrem no modelo de “dupla eliminação”. Esses caem para a chave inferior, onde o pior colocado na primeira fase enfrenta o ganhador de uma série entre o quinto e sexto colocados, para depois jogar contra o mais bem posicionado. O campeão desse lado do mata-mata disputará a decisão contra o vencedor da chave superior.
FURIA e paiN se enfrentam na semifinal 1 da chave superior e RED Canids e LOUD jogam na semifinal 2. Na rodada 1 da inferior, KaBuM! e Miners lutam para ver quem continua vivo na disputa pelo título.
PROFISSIONALIZAÇÃO
Em 2021, a Riot Games deu um novo passo ao adotar o modelo de franquias, onde as organizações compram suas vagas no torneio e não há rebaixamento ou divisões de acesso – semelhante a ligas americanas como NBA (basquete) e NFL (futebol americano). A motivação, segundo Carlos Antunes, líder de eSports da Riot Games no Brasil, seria de ajudar a competição a “estabelecer parcerias de longo prazo e impactos financeiros por parte dos times e parceiros, além de atrair novos patrocinadores”.
A ampliação também faz parte do planejamento da empresa de desenvolver e formar novos jogadores. “Aumentar a premiação do CBLOL acaba por também trazer impactos de investimentos que os times podem fazer em seus negócios, trazendo mais competitividade e evolução na liga”, destacou.
Lucas “Maestro”, técnico da FURIA eSports, que terminou em primeiro lugar na fase de pontuação, acredita que o aumento dos investimentos são pontos positivos para o time. Em abril deste ano, a organização fechou um contrato de R$ 15 milhões com a empresa FTX, sendo esse o maior patrocínio da história dos esportes eletrônicos no Brasil e com valores semelhantes às parcerias no futebol.
“É uma indústria muito gigantesca, que já movimenta vários bilhões de dólares anualmente. E a competição é uma porta de entrada de muita gente no mundo dos games”, disse o profissional. Antes de ingressar na FURIA, em 2021, Maestro era técnico da INTZ, onde foi campeão do CBLOL e participou do mundial em 2020.
O sistema de franquias também modificou o caminho para jovens jogadores chegarem ao campeonato. Anteriormente, havia o chamado “Circuitinho”, que era o torneio classificatório para o Circuito Desafiante, considerado a segunda divisão na época, onde os times brigavam por uma vaga no CBLOL. Atualmente, cada organização tem uma equipe “academy”, focada no desenvolvimento de talentos para jogar a divisão de mesmo nome.
Para Marcos “CarioK”, jogador da paiN, a mudança de formato do campeonato e a criação dos times “juniores” fomentou a formação de novos jogadores e deixou a escalada até a primeira divisão “um pouco mais clara”, além de já ter dado resultados práticos. “Você não vai cair direto no CBLOL, tem que passar pelo Academy e dar seu melhor lá. Se você jogar bem, tem muita chance de ir bem também no principal. Há muitos que vieram do Academy, dá para lembrar do (Lucas) Netuno, (Pedro) Disamis, (Gabriel) Goot… Está bem mais profissional”, comentou.
O último citado por CarioK veio da base do time treinado por Maestro e foi uma das surpresas da atual etapa, substituindo o experiente Filipe “Ranger” e mostrando uma gameplay consistente, o que lhe rendeu diversas vezes o prêmio de melhor da partida durante o split.
Até chegar aos dias de hoje, com calendários bem definidos, competições estabelecidas e premiações financeiras atraentes, o cenário do League of Legends no Brasil passou por diversas fases. No começo, muitos times eram formados por amigos ou jogadores mais próximos e os torneios costumavam ser eliminatórios, sem um cronograma longo de jogos. O primeiro CBLOL foi disputado em 2012, enquanto as competições internacionais já existiam há algum tempo. Já o Circuito Desafiante estreou em 2015.
O estúdio da Riot Games, que sedia até hoje o campeonato, foi inaugurado também em 2015, no que foi um marco para o eSport brasileiro. Desde então, virou o “coração” do LoL profissional no País. Nos dias atuais, é utilizado tanto para a disputa do CBLOL quanto para transmissão do mundial e do Mid-Season Invitational (MSI) – um “mundialito” de meio de temporada. Junto à empresa criadora do game, as organizações também se profissionalizaram, tanto financeiramente quanto em questões de infraestrutura.
Por muitos anos, os centros de treinamento foram chamados de gaming house, onde os jogadores não só cumpriam o seu dia a dia com as equipes como também moravam nesses locais. Após anos com esse modelo, começou a ser debatido e implementado o gaming office, que hoje em dia é considerado o padrão. Nele, os atletas não vivem mais no local de treino e podem ter suas próprias residências, fator que evoluiu a privacidade e estabeleceu rotinas mais profissionais.
Apesar de não ser um dos mais velhos do cenário, CarioK já estava no CBLOL quando as questões estruturais começaram a mudar. Para ele, a chegada dos “escritórios” foi um passo importante para o cenário. “Com a house, era um pouco mais bagunçado. Ao mesmo tempo que a casa em si é legal, tem seus lados negativos. Não há pausa, descanso. Às vezes você tinha um jogo ruim, ia para casa e lá estavam os mesmos caras com quem você jogou (risos). Com o office, é muito mais profissional”, disse.
Marcos começou sua carreira no time IDM Gaming, onde ganhou destaque nas divisões inferiores até chegar à principal. Quando mudou de time pela primeira vez, ao ingressar na Havan Liberty, conheceu o novo sistema. “Quando eu fui para lá, em 2018, já era diferente”, relembrou o atleta. “Eles queriam utilizar o office, com cada um tendo seu apartamento. Se fosse até hoje, acho que a estrutura da Havan seria uma das melhores, pelo investimento, eles queriam ter fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo… já investiram muito, mesmo quando outros times não faziam o mesmo”. Hoje em dia, a organização está presente no CBLOL, mas nomeada apenas de “Liberty” após investir na antiga Vorax. “Quando fui para a paiN, foi igual. Eu senti muito profissionalismo nessas organizações que já estão há mais tempo”, continuou CarioK.
Dentro de jogo, o Brasil ainda está atrás das regiões consideradas “major” – as melhores e mais antigas do jogo, que atualmente são América do Norte, China, Coreia do Sul e Europa. Apesar de já ter conquistado resultados históricos contra alguns times desses locais, os representantes do país nunca passaram para a fase mata-mata do mundial, torneio mais importante do cenário. As equipes nacionais que já o disputaram foram KaBuM!, paiN, INTZ, Team One, Flamengo eSports e RED.
CarioK nunca esteve no Worlds, mas foi ao MSI com a paiN em 2021. Durante a competição, enfrentaram MAD Lions, da Europa, PSG Talon, do Pacífico, e Istanbul Wildcats, da Turquia, e tiveram um desempenho elogiado, mesmo não saindo da fase de grupos. De lá para cá, a organização teve mudanças em seu elenco, mas se mantém no topo do CBLOL, muito por conta da experiência adquirida e repassada pelo jogador e a comissão técnica, que seguem juntos até hoje. “Quando você vai para fora, aprende muita coisa, porque joga contra os melhores do mundo. Lá, todo minuto de jogo tem significado”, disse.
RETORNO AO PRESENCIAL
O segundo split de 2022 é o primeiro com a presença de público desde o começo da pandemia. No último, a plateia foi permitida apenas na final entre RED Canids e paiN Gaming. Durante os anos em casa, a Riot Games reformou o estúdio de transmissão e criou uma espécie de arena, com torcida e locais de interação entre fãs e os atletas da competição. A intenção foi aproximar mais a cobertura do evento com o público.
“É uma nova estrutura muito mais moderna, ampla em espaço e capaz de viabilizar várias experiências que sempre quisemos oferecer à nossa comunidade”, reforçou Antunes. “Viabilizamos a presença de plateia, aumentamos os espaços internos para times e jogadores se prepararem para os confrontos e pudemos abrir um pouco mais da nossa ‘casa’ para os fãs”. O retorno, junto ao novo modelo, aumenta a pressão sobre os jogadores, que competem a poucos metros de onde apresentadores e público interagem com os acontecimentos da partida.
Segundo Francisco “fNB”, jogador destaque da FURIA, foi possível sentir a diferença com a presença da torcida. “Sem ela, é algo sem graça, pois trazem não só aquela vibração, aquele sentimento de estar jogando por alguém, mas também a interação com os fãs. É muito melhor do que online, jogando só eu e meus companheiros”, disse.
Para CarioK, a plateia pode funcionar como motivação para um jogador apresentar melhor performance, desde que tenha a preparação psicológica adequada. A paiN é conhecida historicamente por ter a maior torcida e isso sempre se reflete nas finais presenciais, quando tem, disparadamente, a maioria do público ao seu favor nas arenas. “Você tem que estar bem blindado para isso não tirar sua atenção e focar no jogo, que é o principal. Temos que usar (a maioria) a nosso favor. É outro time que deve ficar nervoso, não a gente.”
Caso a organização chegue à final será a primeira vez de CarioK em uma decisão em um grande palco com plateia, já que suas últimas foram ou de “portões fechados” ou no próprio estúdio da Riot Games, com menos pessoas. E ele compartilhará essa experiência com outros três companheiros de time: Choi “Wizer”, Matheus “Trigo” e Yan “Damage”. O único da equipe que já vivenciou isso foi Matheus “dyNquedo”, em 2018, quando ainda jogava pela KaBuM!. Apesar da estreia, ele não acredita que isso os afetará negativamente.
Já para fNB, a expectativa é que a volta ao presencial continue ajudando no crescimento da comunidade LOL. “Ela está chegando longe e atingindo outras bolhas, não só a de gamers. Talvez os tios, tias e mães já devam estar ligados nesse universo, e com o patrocínio, está conseguindo atingir todas as faixas etárias”. O atleta ainda acrescenta que há um treinamento por parte da FURIA para o preparo psicológico do jogo presencial.
Maestro acredita que é tudo questão de adaptabilidade. “Boa parte dos jogadores não fazia ideia de como era jogar com público. Eles precisam entender que vão jogar num ambiente que não estão acostumados”, comentou. Além disso, destacou uma grande plateia como diferencial na trajetória de um atleta. “Você chegar numa final com 10 mil pessoas te assistindo com certeza é algo”. O Ginásio do Ibirapuera, local da final, tem capacidade para cerca de 10 mil espectadores.