Quase oito meses depois de ter sofrido uma parada cardíaca em campo, o dinamarquês Christian Eriksen voltou oficialmente ontem à elite do futebol. O meia foi contratado pelo Brentford, da primeira divisão inglesa. Esse retorno representa uma vitória pessoal do jogador de 29 anos – que não desistiu da carreira, apesar das negativas de alguns clubes – e um símbolo dos avanços tecnológicos da medicina.
A volta é uma grande notícia para atletas que viveram dramas semelhantes e que pretendem voltar ao esporte de alto rendimento. É um caso é inédito na liga de futebol mais rica do mundo.
Eriksen só conseguiu voltar a jogar depois de implantar um Cardioversor Desfibrilador Implantável (CDI), aparelho que restaura o ritmo cardíaco por meio de uma descarga elétrica constante, evitando uma eventual nova parada cardíaca. O CDI permite que os médicos acompanhem possíveis arritmias e a frequência cardíaca do atleta, de forma presencial ou à distância.
Seu retorno já abre uma possibilidade ainda mais impressionante: a disputa da próxima Copa do Mundo no final do ano. Vale lembrar que Eriksen era titular da Dinamarca quando sofreu o mal súbito. Na seleção, ele já disputou 109 partidas e marcou 36 gols.
“Quero jogar com a seleção na Copa do Mundo. Meu sonho é jogar no (estádio) Parken de novo e provar que o que aconteceu foi isolado e não vai acontecer novamente. Quero provar que segui em frente e posso jogar pela seleção novamente. Claro, cabe ao treinador avaliar meu nível. Mas o meu coração não é um obstáculo”, disse o jogador ao canal dinamarquês DR TV no início do mês. “Recebi apoio do mundo inteiro e isso me ajudou a passar por tudo isso.”
EXAMES RIGOROSOS
O dinamarquês passou por todos os exames médicos, incluindo cardíacos, antes de fechar seu novo contrato. Treinado por Thomas Frank, compatriota de Eriksen, o Brentford é o atual 14º colocado do Campeonato Inglês, com oito pontos de vantagem para a zona de rebaixamento. “Ele está em forma, mas precisamos colocá-lo em forma para disputar uma partida e estou ansioso para vê-lo trabalhar com os jogadores e a comissão técnica para voltar ao seu melhor nível”, acrescentou Frank.
Obviamente, ele precisará de um acompanhamento médico diferenciado em relação aos outros atletas, como explica André Gasparoto, cardiologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. “Sem uma doença que o limite fisicamente, ele poderá continuar sua carreira de uma forma normal. O cuidado principal é o acompanhamento regular”, diz o especialista.
Relembrar o drama do meia ajuda a dimensionar a importância de seu retorno. Era a estreia da Dinamarca pela Eurocopa, no dia 12 de junho do ano passado. Eriksen caiu desacordado no gramado do estádio Parken, em Copenhague, aos 42 minutos do primeiro tempo, quando sofreu uma parada cardíaca. Foi um dos episódios mais dramáticos do futebol mundial. Ao ver a situação do meia, imóvel e com os olhos abertos, o zagueiro Simon Kjaer rapidamente socorreu o companheiro. Os paramédicos entraram em campo.
A luta pela vida foi acompanhada ao vivo por milhões de espectadores na TV e nas redes sociais. Eriksen foi ressuscitado ainda no local. Já acordado, deixou o estádio e foi levado ao hospital e ambas as seleções concordaram em seguir com a partida depois de ser anunciado que o jogador estava com vida.
Gasparoto explica que a expressão correta para o que aconteceu foi “morte súbita abortada através de reanimação cardiopulmonar”.
IMPLANTE – Poucos dias depois, Eriksen teve implantado no coração o CDI. No fim de julho, a Federação Italiana de Futebol disse que o meia não teria a permissão para disputar uma partida oficial no país com o CDI implantado. Para jogar na Itália, ele teria de remover o dispositivo e resolver sua patologia. Eriksen rescindiu o contrato e foi procurar outra liga.
Desde dezembro, ele fez treinos no Odense, clube onde atuou nas categorias de base, e também no clube suíço de Chiasso. O jogador, que vai completar 30 anos em fevereiro, treinou no time B Ajax, onde começou sua carreira, para não perder a forma física. Agora, seu sonho é jogar a Copa.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA – A insuficiência cardíaca acomete 26 milhões de pessoas no mundo, inclusive atletas, de acordo com os dados da Rede Brasileira de Insuficiência Cardíaca (Rebric). A doença geralmente é desenvolvida entre os esportistas por causa de problema cardíaco não identificado precocemente. Em jogadores de futebol, o problema é recorrente e muitos podem ter a carreira interrompida em decorrência das complicações cardiovasculares.