TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – “Não vou correr, nada. Isso é coisa de maluco.”
Thiago André, 25, não quis saber de conversa quando seu amigo Michel Dantas o convidou para treinar atletismo. Parecia algo natural para quem passava o dia a perseguir pipas em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. De tanto Michel o aborrecer com esse assunto, ele foi tentar. Não gostou.
A técnica Sueli Freire disse que o novato não faria 100 ou 200 metros. O garoto de 13 anos seria fundista. Thiago não sabia o que era aquilo e nem perguntou. Virou as costas para ir embora. A treinadora disse que lhe daria R$ 30 por mês.
“Na hora eu pensei: é o dinheiro da pipa e da linha”, se diverte o atleta 11 anos depois, ao lembrar do início.
As pipas de 2010 o levaram a Tóquio em 2021. Nesta sexta-feira à noite (30), Thiago estará na pista do Estádio Olímpico para disputar as eliminatórias dos 800 m. Foi a primeira prova que correu em uma competição. Foi também em Olimpíadas, mas da Baixada Fluminense.
Desta vez será diferente. Ele está no evento esportivo mais importante do planeta pela segunda vez. Não que goste de se lembrar da primeira.
Com lesão no joelho, o corredor pensou em passar por cirurgia e abrir mão da Rio-2016. Seus amigos e treinadores disseram que aquilo não seria justo. Ele havia se classificado para os 1500 m (a outra prova que costuma competir) e merecia estar no Engenhão, no maior evento do atletismo.
Thiago André terminou em 11º sua eliminatória e acabou desclassificado.
“Eu cheguei do Pan-Americano de 2015 (em Torono) machucado. Os Jogos do Rio me deixaram muito chateado. Não era para eu ir”, comenta.
Talvez nem em 2021 fosse possível. Ele treinou em 2020 como se a vida estivesse normal, apesar da pandemia, mas não havia competições no horizonte. Algumas foram canceladas na véspera, quando ele já estava com a prova na cabeça. Thiago desanimou.
“Quando os torneios voltaram, eu precisava fazer o tempo para me classificar para as Olimpíadas. Eu sentia que o índice estava na minha perna. Eu estava pronto, mas sempre algo acontecia. Ventava muito, chovia. O tempo nunca estava favorável.”
O brasileiro precisava, principalmente, competir fora do país, em provas que oferecessem maior pontuação (outra possibilidade de se classificar para Tóquio), mas por causa da Covid-19 se tornou impossível ir para o exterior.
“Comecei a pensar que se não fosse para os Jogos, iria aceitar. Seria por causa das circunstâncias, não porque faltava condição”, explica.
Thomas Lewandowski, seu técnico polonês, disse-lhe para não pensar daquele jeito. Querer é poder. Na competição seguinte, Thiago André fez o índice, mas o vento estava muito forte e a marca não foi validada.
A marca enfim veio em junho. O 1m44s92 no Torneio Atletismo Paulista foi o bastante para fazê-lo embarcar para o Japão, o 18º país para o qual viaja em competições.
Conhecer o mundo foi uma das razões que o levaram a dar uma chance ao atletismo.
“Eu queria ver onde tudo isso ia me levar. Hoje em dia eu penso que posso até perder, mas tem de ser lutando.”
Para apagar a decepção de 2016, ele considera ser uma vitória chegar à final. Seria uma maneira de representar bem o Brasil em uma prova em que Joaquim Cruz foi ouro em Los Angeles-1984 e prata em Seul-1988.
Thiago André, o garoto que só pensava em pipas, quer isso também pela mãe, mesmo que ela não compreenda. Empregada doméstica e analfabeta, Vera Lúcia nunca entendeu muito bem o que o filho faz.
Quando ele começou a ganhar algum dinheiro e ajudá-la, ela se preocupou. Perguntou se ele estava “mexendo com coisas erradas.”
“Ela teve muita dificuldade para me criar, sem marido, e morando numa região de muita violência, com gente andando com pistola na rua. De vez em quando eu a trago a São Paulo e mostro para ela o que faço, para ela saber. Porque minha mãe sempre lutou, então eu tenho de lutar também”, diz Thiago André.