CHIBA, JAPÃO (FOLHAPRESS) – Quando entrou para disputar a semifinal do taekwondo, Kimia Alizadeh ouviu o DJ do Makuhari Messe Hall tocar a música “Walk This Way”, do grupo de hip-hop americano Run-DMC.
Quando ela pisou no tatame em Chiba, cidade vizinha a Tóquio, a letra dizia: “… E com certeza haverá mudanças nas atitudes”.
A lutadora pareceu entrar empolgada. Bateu no próprio rosto para se motivar. Estava a um combate de conseguir o que havia prometido antes das Olimpíadas: uma medalha para o time de refugiados.
Pouco mais de duas horas depois, o apresentador esportivo do IRIB, canal controlado pelo estado iraniano, insultava Kimia, a acusando de ter usado o dinheiro do contribuinte do país para se tornar profissional e desertar. Derrotada na semifinal e depois na disputa do bronze, a lutadora passou pelos jornalistas aos prantos. Sinalizou não ter condições de falar.
“Quero chegar mais longe do que na última”, foi a única frase que disse na manhã deste domingo (horário de Brasília), enquanto competia na categoria até 57 kg. Isso significaria ser medalha de ouro ou de prata. Há cinco anos, ela havia conquistado o terceiro lugar. Na época, defendia a bandeira do Irã, seu país natal.
Isso foi em 2016. Em 2021, Kimia era a maior esperança de vitória para o grupo de 29 atletas que competem nos Jogos sob a bandeira do COI (Comitê Olímpico Internacional).
Quando iniciou o combate da semifinal, contra a russa Tatiana Minina, ela já havia ganhado duas lutas. A primeira, contra sua compatriota Nahid Kiyani Chandeh, que ainda compete pelo Irã. A vitória por 18 a 9 fez com que Kimia recebesse ofensas no Twitter. Segundo integrantes da equipe de refugiados, ela havia jurado que não olharia suas redes sociais durante as Olimpíadas para não perder o foco.
O bronze no Rio de Janeiro fez de Kimia Alizadeh uma heroína nacional em 2016, aos 18 anos. Foi a primeira atleta mulher do seu país a subir ao pódio olímpico em qualquer esporte. Transformou-se em um dos nomes mais conhecidos no Irã. Quando retornou a Teerã após os Jogos, encontrou um outdoor com seu rosto no centro da cidade.
A atleta decidiu viver em definitivo na Alemanha em 2020. Criticou a obrigatoriedade iraniana do uso do hijab, o pano que cobre a cabeça de muçulmanas. Reclamou também da opressão às mulheres no país.
“Foi uma decisão que me fez feliz e estou bem com ela”, disse depois da mudança.
Isso a fez deixar de ser uma das preferidas do regime em sua terra natal. Sem bandeira para disputar as Olimpíadas no Japão, foi acolhida entre os refugiados. Em entrevista ao jornal Financial Times, afirmou ter duas ambições na vida: ganhar a medalha de ouro nos Jogos e ir para outro planeta. Brincou sobre conhecer Marte.
Esguia e com as pernas longas, Kimia usou o seu 1,83m para derrotar Chandeh e a chinesa Lijun Zhou. Saiu sorridente dos duelos. Cada vez que entrava no tatame era aplaudida e incentivada pelos integrantes de outras delegações, só não as do país de sua adversária.
“Quando ganhei a medalha [no Rio], achei que seria um sinal de abertura para as mulheres no Irã”, disse antes da viagem ao Japão.
Ela chegou a ter motivos para acreditar que poderia provocar mudanças. Em campanha eleitoral, o então presidente Hassan Rouhani a chamou de filha. Mas as iranianas continuaram com menos direitos do que os homens em casamentos, divórcios e guardas dos filhos.
De 1979 a 1990, durante a Revolução Iraniana, a nação do Oriente Médio não permitiu que mulheres participassem de competições esportivas. Mudou de ideia após 11 anos, desde que as atletas disputassem apenas modalidades em que pudessem cobrir os cabelos e o corpo.
A capacidade de se defender e contra-atacar da russa Tatiana foi demais para Kimia. A refugiada perdeu por 10 a 3. Ela teria mais uma chance e poderia voltar a conquistar o bronze. Ganhava de Hatice Kubra Tur Ilgun até o combate ser paralisado a pedido do técnico da rival turca. Ele queria invalidar a pontuação da iraniana, que se desconcentrou.
Kimia cumprimentou sua adversária com os olhos marejados após a eliminação e saiu do tatame chorando. Foi dessa forma que se retirou do ginásio. A imprensa, curiosa pela sua história, não esperou nem para ver a americana Anastasija Zolotic ganhar o ouro e a seguiu.