SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ir a uma Olimpíada não é um sonho só de atletas. Muitos apaixonados pelo esporte se programam durante anos, fazem poupança e gastam o que podem e o que não podem pela chance de presenciar o megaevento.
O que acontece quando a realização dos Jogos está sob dúvidas há quase um ano, como no caso da edição de Tóquio-2020?
Em março do ano passado, a Olimpíada japonesa, que aconteceria dali a quatro meses, foi adiada para julho e agosto de 2021. O cenário ainda incerto da pandemia da Covid-19, porém, ainda deixa no ar tanto a sua realização quanto a presença de público local e estrangeiro nas arenas de competição.
“São quatro anos de investimento. É muito trabalho. Decidimos que vamos para o Japão de qualquer jeito e vamos fazer turismo [em caso de cancelamento], mas vai ser decepcionante”, afirma Rubens Tofolo Junior, organizador do grupo de torcedores Chapolins Brasileiros.
Os fãs ainda têm esperanças de participar de sua terceira Olimpíada, desta vez viajando com 15 integrantes e com cerca de 300 ingressos já comprados para várias modalidades.
Segundo o médico, o investimento para a viagem ao Japão foi mais que o dobro das anteriores, girando em torno de R$ 400 mil. Ele destaca que todas as passagens para atravessar o mundo foram compradas com as milhas que acumulou, junto com seu companheiro, nos últimos quatro anos, em viagens para dar palestras.
Profissional da saúde na linha de frente contra o coronavírus em Belém, no Pará, Tofolo diz que preferiria o cancelamento ou um novo adiamento da Olimpíada do que vê-la de arquibancadas vazias. Sabe, porém, que a situação é muito complicada em razão da pandemia.
“Como torcedor tenho esperança, mas, como médico, tenho dúvidas. Na minha opinião teria que vacinar todo mundo, inclusive torcedores. Mas até para atletas, será que todos vão tomar a mesma vacina? Como vai ter Olimpíada com vacinas diferentes? Moro em Belém, perto do Amazonas. Ficamos desesperados, mas esperançosos de que daqui até lá tenha uma solução mágica”, afirma.
Segundo determinação da Anac em 2020, companhias aéreas tiveram que permitir aos passageiros remarcar ou cancelar voos durante a pandemia.
A Match, revendedora dos ingressos olímpicos no Brasil, deu até novembro de 2020 para quem tinha entradas pedir seu dinheiro de volta. A empresa afirma que 75% dos ingressos disponíveis para os brasileiros já foram vendidos. O COI (Comitê Olímpico Internacional) prevê novo período de reembolso caso seja necessário.
O advogado Alberto Murray, ex-presidente do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil e que quase concorreu à presidência da entidade no ano passado, se prepara para ir à sua 13ª Olimpíada consecutiva.
Ele, a mulher e os dois filhos já têm tudo comprado há mais de um ano e também pretendem viajar ao Japão (possivelmente em outra data) caso não possam acompanhar os Jogos.
“Acho que eu sofreria, mas o importante é que os atletas não sofram, então minha opção seria que tivesse a competição [sem público] e paciência. Até porque já quebrou um ciclo de treinamento que é muito relevante para os atletas”, diz.
Quem representa bem o dilema entre o melhor para o esportista e o melhor para o público é Elisa Borges, mãe do mesatenista brasileiro Hugo Calderano, sexto colocado do ranking mundial.
Ela conta que ficou na memória quando, na Rio-2016, o ginásio todo gritava “Hugo é melhor que Neymar” para o filho, criando uma atmosfera incomum na modalidade.
“Com público é sempre melhor. Como espectadora e mãe de atleta, preferia que adiasse um ano, mas sei que não é uma opção. Ou vai ter agora ou não vai ter”, afirma.
Clery Quinhones de Lima, formado em Educação Física e que trabalha como jornalista em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, está com tudo certo para ir ao Japão, mas defende o cancelamento dos Jogos.
Ele, que já foi a seis edições, banca suas coberturas olímpicas do próprio bolso. Tem um jornal, chamado Saúde pela Prática, faz boletins para a rádio Imembuí e guarda todo o salário de conselheiro estadual de educação física para investir nas viagens.
“Sou irredutível. Pela segurança de vidas humanas, cancela e fica na história como a quarta [edição] cancelada em 124 anos. Já enrolaram para adiar no ano passado e, quando adiaram, já deviam ter cancelado. Já aconteceu em 1916, 1940 e 1944, durante as Guerras. Cancelar a de 2020 não seria demérito, porque o coronavírus é uma guerra”, defende ele, que carregou a tocha da Rio-2016 em sua cidade.
Não ir aos Jogos de Tóquio é algo que não passa pela cabeça de Silvia de Oliveira Moraes. Ela trabalha como empregada doméstica na casa de Tofolo, que a convidou para os Chapolins em 2015.
Como o investimento dos integrantes é alto (a caixinha feita por eles prevê R$ 200 por mês para Jogos Pan-Americanos e R$ 500 para Olimpíadas), ela tem auxílio financeiro do grupo, que banca parte dos seus gastos. O médico entende que a organização precisa ter também um papel social.
“Minha maior lembrança foi quando eu vi o [Usain] Bolt. Ele pegou na minha mão. A gente jogou um boneco para ele, aí ele veio com a bandeira perto da gente. Esse dia me marcou”, lembra. Além de ir à Rio-2016, ela esteve no Pan de Lima-2019.
“Acho que minha paixão começou porque minha mãe gostava muito de ver a Olimpíada. Acordava de madrugada, fazia tudo que precisasse para ver. A gente morava em Jurunas [bairro em Belém], e a mamãe sabia o nome de todas as meninas do vôlei, era a paixão dela”, conta Silvia, fã da ginasta romena Nadia Comaneci e da brasileira Flávia Saraiva.
Olimpíada também é questão de família para Alberto Murray. Seu avô, Sylvio Magalhães Padilha, disputou os Jogos de Berlim-1936 e foi presidente do COB por 27 anos (1963 a 1990).
“Todas as minhas referências de datas são baseadas em Jogos. Quando quero lembrar um fato que não tem nada a ver com esporte, localizo por ser perto de tal Olimpíada, entre tais Olimpíadas. Eu coleciono objetos, coisas que herdei do meu avô, então não estar presente, ver pela TV, vai ser uma experiência única para mim. Desesperadora”, resume.
Mesmo com o filho classificado, Elisa não tem certeza do que fazer, em razão do alto custo e do risco de ter prejuízo se o público for mesmo proibido.
Ela conta que comprou as passagens logo depois do Pan de Lima. Conseguiu lugar para ficar com o marido e a filha por meio de um amigo do Hugo, que mora em Tóquio e achou um hotel com preços mais acessíveis.
O alto custo fez com que a família não comprasse os ingressos para o público em geral no tênis de mesa. Eles preferiram ficar apenas com as duas entradas que são disponibilizadas para os atletas, nos dias em que competem, e que também são pagas. Os três teriam que se revezar, mas ainda assim estavam dispostos a ir ao Japão.
Elisa já suspendeu a reserva da hospedagem e tem até o fim deste mês para remarcar a passagem sem taxas. O problema é que uma definição sobre a presença de público nos Jogos não deve sair antes de março.
“Acho que para a gente morreu muito o clima de ir. Queremos estar lá pelo Hugo, mas é uma viagem super longa, dificilmente estaremos vacinados e não sabemos se vamos conseguir entrar no país. Estou adiando a decisão ao máximo, mas neste momento seria de não ir”, ela diz.
“As pessoas têm passado por coisas muito mais difíceis e dilemas piores que decidir se vamos ou não para a Olimpíada. Só de podermos decidir isso, temos que nos considerar muito sortudos”, completa.
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Ingressos da Olimpíada viram dilema para familiares de atleta e grupo de fãs
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