Depois de alguns solavancos neste ano, Italo Ferreira está em seu auge. A avaliação é do próprio surfista de 28 anos. Não ter vencido uma etapa do Circuito Mundial de surfe em 2022 não lhe incomoda. O surfista brasileiro considera que obteve constância, até mais do que havia conseguido em 2019, quando foi campeão mundial, e em comparação com 2021, ano do histórico ouro olímpico nos Jogos de Tóquio.
“Eu estava analisando o meu rendimento no circuito desde 2019 e aparentemente é meu melhor ano pela constância de resultados. No ano em que eu fui campeão do mundo, em 2019, eu ganhava etapas, e aí perdia. Eram muitos altos e baixos. Nesse ano eu estou conseguindo manter uma constância, mesmo sem ganhar uma etapa”, explica ele, em entrevista ao Estadão.
Na sua autoavaliação da temporada, o atual campeão olímpico deu um passo para andar dois pra frente posteriormente. “Eu comecei o ano querendo vencer. Estava cheio de energia, mas percebi que as coisas não eram assim. Baixei minha bola para ir devagarinho”, diz. Na conversa com a reportagem, ele falou sobre saúde mental, reaproximação de Gabriel Medina, inspiração em Lewis Hamilton e a preparação para a última etapa classificatória antes da final.
O brasileiro é atualmente o quarto colocado no ranking que garante os cinco primeiros na finalíssima. Para manter essa consistência e garantir presença na grande final com os cinco melhores surfistas da temporada, em Trestles, na Califórnia, entre os dias 8 e 16 de setembro, a inspiração do potiguar de Baía Formosa é o piloto Lewis Hamilton, de quem é fã e amigo.
Italo sofreu com crises de ansiedade e recentemente teve intoxicação alimentar. Ainda que não avalie estar em uma temporada acidentada, ele buscou novos caminhos neste ano para se reequilibrar. E as palavras de Hamilton ajudaram a ficar mais confiante e valorizar a sua trajetória em 2022, a despeito das críticas que lhe fizeram pela ausência de vitórias nas nove etapas já disputadas.
“Algo que me deixou bem motivado e confiante foi uma entrevista que o Lewis Hamilton deu. O Lewis Hamilton é o Lewis Hamilton, o cara é várias vezes campeão do mundo. Ele falou recentemente que um terceiro lugar que ele conquistou foi algo que lhe fez sentir muito bem. Para ele era algo muito importante no momento. Eu pensei: caramba, um cara que sempre vence, que sempre está no topo, está fazendo essa autoanálise'”, conta o surfista.
“Eu acompanho a Fórmula 1 e vejo as críticas em cima do cara. Na maioria das vezes, essa avaliação de fora não vale nada. A pessoa fala que só tem que vencer. Não só tem que vencer. Você tem que evoluir. É um processo. Essa entrevista do Hamilton me mostrou muita coisa”, esclarece.
Italo e Hamilton trocam mensagens e estão para combinar uma viagem. O piloto britânico heptacampeão da Fórmula 1 se aventura no surfe e pede dicas para o brasileiro a fim de melhorar sua manobras no mar. “É difícil eu pilotar um carro de Fórmula 1, mas a gente pode surfar juntos”, diz, brincando. “Ele é uma inspiração. É um cara que eu levo como exemplo para a vida”.
ETAPA DO TAITI
A última etapa classificatória antes da final terá como palco os tubos de Teahupoo, no Taiti, e começa na próxima quinta-feira. Italo depende apenas de si para carimbar a vaga e vai surfar num lugar de que gosta.
“Me encaixo bem no Taiti. Lá é uma manobra que vale mais, o tubo. Eu estou conectado. Tive tempo para me preparar e estar pronto para a oportunidade. Tenho um carinho enorme pelo Taiti. Sempre faço boas performances lá”, diz.
“Estou alinhando as coisas, ocupando mais a mente, treinando e surfando mais, para que nada me atrapalhe. Estou num momento muito bom e acho que tudo o que estou fazendo vai valer a pena nessa reta final”, acrescenta.
‘Sei o que tenho que fazer para ser campeão’
Italo diz que o fato de ainda não ter ganhado uma etapa do Circuito Mundial neste ano não lhe incomoda porque não precisa mais provar seu talento nem lhe deixa menos focado em continuar.
“Isso não tira o brilho, não muda o que eu fiz ou define quem eu sou”, afirma, citando suas conquistas recentes. O cenário antes do título mundial e olímpico foi parecido, ele entende. Nas ocasiões, ele se desconectou das redes sociais e deu atenção máxima às competições.
“Existem oportunidades. Ainda não chegou a minha este ano. Quando tiver a oportunidade, eu vou fazer de tudo para que aconteça. Foi assim em 2019, quando foi campeão do mundo. Só falavam do Gabriel (Medina), do Filipe (Toledo). Eu quebrei o celular e falei ‘beleza, então. Estou aqui, não estou morto’ e ganhei três etapas seguidas e fui campeão do mundo. Ano passado, só existia outro cara. Fui para a Olimpíada, preparado, e ganhei”, reforça.
“Sei o que eu tenho que fazer pra ser campeão. Não me preocupo com o que os outros falam. Ninguém viveu o que eu vivi e sabe o que eu faço. Se eu uso cordão dessa grossura, se uso dread. O pessoal sabe da minha vida só o que eu mostro. A galera acha que internet é a vida 100%, mas não deve ser nem 60%”, completa, rebatendo as críticas.
EM BUSCA DO EQUILÍBRIO
Os contratempos tiraram Italo de seu equilíbrio físico, técnico e, sobretudo, mental. Ele se viu obrigado a buscar alternativas para se reconectar. O caminho foi voltar para a casa em Baía Formosa, pequena cidade do Rio Grande do Norte. Foi lá que aprendeu a surfar em tampas de isopor que o pai, um vendedor de peixe, usava no trabalho.
“Quando volto pra casa consigo me alinhar e me reconectar”, afirma. O atleta, hoje, dá mais atenção à saúde mental depois das crises de ansiedade que atrapalharam seu sono, lhe tiraram do eixo e afetaram o seu desempenho. Ele tem conversado mais com a sua psicóloga e seu coach mental, Nuno Cobra Jr., filho de Nuno Cobra, que trabalhou com Ayrton Senna.
“A nossa mente é que comanda. Ela tem 80%, 90% do controle. O resto é só ajuste. No meu caso, tive que voltar para casa. Não sou muito de conversar e falar o que tenho dentro de mim, então acabo acumulando muita coisa. Então, quando estoura é só pra mim. E isso acaba afetando minha performance porque dependo do meu corpo e da minha mente”, diz ele, ciente de que a pressão por resultados é algo difícil de lidar, mas que pode ser amenizada nas competições nas conversas com os outros competidores.
“Tinha algo que me tirava do eixo. Achar o equilíbrio foi difícil em alguns momentos. Acompanha a vida de um atleta. É muita cobrança. A gente não pode esquecer que a gente tem que se divertir e aproveitar ao máximo, surfar juntos, um tentando ajudar o outro para que aquele lugar se torne confortável, não só de tensão”.
APROXIMAÇÃO COM GABRIEL MEDINA
Essa pressão por resultados que potencializa a rivalidade entre os surfistas fez com que Italo e Gabriel Medina se afastassem por um período. No entanto, desde o fim do ano passado, os dois se reaproximaram.
“Claro que teve momentos em que cada um foi para um lado porque é competição. Um entende o outro. Mas agora está mais divertido quando a gente se encontra. Estamos aproveitando de verdade”, enfatiza.
UM ANO DO OURO OLÍMPICO
Há pouco mais de um ano, em 27 de julho de 2021, Italo se tornou o primeiro surfista do mundo a conquistar a medalha de ouro olímpica. O que mais lembra daquele momento que não saiu de sua memória é o que se passou segundos após a buzina tocar confirmando a sua vitória sobre o japonês Kanoa Igarashi na praia de Tsurigasaki, no Japão.
“Lembro do final do campeonato, quando eu fico olhando para o mar e imaginando que até há um tempo nada daquilo era possível”, recorda-se. “A gente não imaginava que o surfe estaria na Olimpíada. Quando foi confirmado, dois anos atrás, aquilo virou obsessão pra mim. Vencer a Olimpíada virou algo muito grande na minha cabeça”.
O título na Olimpíada é um combustível para ele perseguir novos triunfos. Na jornada de quem sabe o sabor de conquistas importantes, a avaliação é de que “o processo é longo, cansativo e delicado, mas a glória é incrível”.