SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Duda Amorim, 34, já viveu bastante coisa no handebol. A atleta, que na infância tomou gosto pela modalidade ao ver a irmã jogar, levou o Brasil ao título do Mundial em 2013, foi eleita melhor do mundo em 2014 e agora, nas Olimpíadas de Tóquio, prepara sua despedida das quadras.
A meia esquerda pretende se aposentar ao fim desta temporada e seguir trabalhando com handebol. Consagrada internacionalmente, ela pode, quem sabe em outra função, transformar aquilo que nem suas conquistas foram capazes de mudar.
“Os atletas que conseguem viver da modalidade realizam sonhos gigantescos nas quadras e fora delas. Mas no handebol brasileiro, há muita evasão, por diversos fatores, e um deles é a falta de infraestrutura dos clubes brasileiros”, afirma Duda à reportagem.
Atualmente, a modalidade tenta superar uma de suas maiores crises no Brasil.
A Confederação Brasileira de Handebol (CBH) teve um presidente afastado pela Justiça, em 2018, sob suspeita de irregularidades em sua gestão; o seguinte renunciou em dezembro do ano passado, após ser acusado de assédio sexual e moral contra uma funcionária.
Em meio aos dois casos, a confederação perdeu patrocínios, receitas e, já durante a pandemia, as seleções brasileiras ficaram fora de uma “bolha” de treinamentos organizada pelo Comitê Olímpico do Brasil em Portugal –o time masculino ainda enfrentou um surto de Covid enquanto buscava sua vaga nos Jogos.
À reportagem, Felipe Rego Barros, atual presidente da CBH, afirma que trabalha para mudar a imagem do esporte depois do que aconteceu e que a dívida da entidade hoje passa dos R$ 11 milhões.
“Agora a situação da modalidade do esporte se encontra mais precária, com campeonatos com poucos clubes participando e condições inferiores para os atletas brasileiros viverem do esporte”, analisa Duda, comparando com o panorama de quando ela começou a praticar, aos 11 anos.
Na época, ela se espelhava em Ana Amorim, sua irmã mais velha. Foi quem abriu as portas da Europa para uma então jovem promissora, que aos 16 anos já havia sido campeã brasileira.
Ana atuava pelo Kometal, da Macedônia, que contratou a irmã caçula em 2005. Foi quando a carreira de Duda começou a decolar.
Após quatro títulos nacionais em quatro anos, ela chegou à elite do handebol mundial em 2009, contratada pelo Gyori, da Hungria.
Com Duda, a equipe húngara criou verdadeira hegemônia na Europa. Venceu cinco vezes a Champions League de handebol (2013, 2014, 2017, 2018 e 2019) e seis vezes o campeonato nacional, de maneira consecutiva (de 2009 a 2014).
Com o adiamento dos Jogos Olímpicos de 2020 para 2021, a atleta teve que adiar também os planos de aposentadoria. Para a temporada de despedida, mudou para o Rostov, da Rússia.
Duda Amorim, porém, planeja seguir ligada ao esporte. Atualmente, faz mestrado online em Gestão Esportiva no instituto Johan Cruyff. Pretende seguir na Europa.
Por enquanto, seu foco é apenas um: a seleção brasileira nas Olimpíadas. A esta entrevista, pediu para responder por texto. Foi escrevendo durante dias, “a cada cinco minutinhos” que tinha entre treinos, competições e momentos de descanso, para não interferir na sua performance.
Neste domingo (1º), às 23h (de Brasília), o Brasil faz sua partida decisia da fase de grupos contra a França. Se perder, está eliminado na fase de grupos e, pela primeira vez, ela verá a seleção terminar em uma posição pior que a conquistada na edição anterior do evento.
Esta é sua quarta participação em Jogos, uma trajetória em que seu protagonismo cresceu de edição para edição. Agora, ela já prepara a passagem do bastão do posto de líder da equipe.
“Tóquio é uma das últimas responsabilidades em relação à seleção brasileira, pertencendo a um projeto de renovação na nossa equipe com as próximas gerações. Na minha posição, algumas atletas já vêm desempenhando papéis importantes e [vivendo] grandes momentos em seus respectivos campeonatos na Europa, como a Samara e a Bruna, que estão se destacando bastante”, afirma.
Não é exagero dizer que Duda fez o handebol brasileiro crescer. Em sua estreia olímpica (Pequim-2008), a seleção conquistou um até então inédito nono lugar. Em Londres-2012, foi ainda melhor: sexto.
A histórica quinta posição na Rio-2016, logo depois do título mundial, ainda traz lembranças díspares na atleta.
“Nas Olimpíadas de 2016, não progredimos para as quartas de final em um jogo que acreditávamos que poderíamos ganhar contra as holandesas, o que foi muito frustrante. Mas ficar em quinto lugar diante de uma torcida que lotava os ginásios foi uma experiência enriquecedora”, diz.
Talvez, em algum momento durante a disputa no Rio de Janeiro, Duda tenha pensado que sim, o título mundial conquistado pelo Brasil três anos antes havia conseguido transformar a realidade do handebol brasileiro. Não aconteceu.
“Em 2013, eu acreditava que, com o campeonato mundial, a valorização do handebol iria mudar. Teríamos mais investimento e um projeto a longo prazo que englobasse novas gerações e melhores condições de treinamento e de vida, incentivando crianças a se aventurar nesse esporte”, lamenta.
“É a minha decepção enquanto brasileira”, completa.
A esperança segue viva. E Duda tenta, pela quarta vez, superar a melhor marca do Brasil no handebol olímpico.