TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – Em alguns momentos, Rafael Silva, 34, o Baby, afirma não pensar no seu resultado nas Olimpíadas de Tóquio. Minutos depois, diz querer “mudar a cor da medalha”. Dá as duas declarações opostas sem perceber.
A indecisão se dá porque sua categoria, acima dos 100 kg, oferece perspectivas animadoras, mas, ao mesmo tempo, traz preocupações.
No Japão, o lutador pode ser o primeiro brasileiro da história do judô a ter três pódios olímpicos. Em 2012, em Londres, e em 2016, no Rio de Janeiro, ele foi bronze.
Baby teve de mudar a sua forma de se preparar para competições. E isso nada teve a ver com a pandemia de Covid-19, que foi outro complicador. Ele sentiu a necessidade de trilhar um caminho diferente porque a sua categoria passou por uma mutação.
“Alguns atletas com menos de 100 kg subiram de peso. Eles têm características diferentes. São menores, mais leves, e deixam a categoria mais dinâmica. Eu tive de deixar meu judô mais ágil e preparar os golpes para fazer os adversários sentirem o peso”, avisa.
Tornaram-se mais frequentes as penalizações por falta de combatividade. Isso fez parte de um esforço para tornar os combates mais atraentes para o público da televisão, sobretudo em disputas entre atletas pesados, que, em tese, movimentam-se menos.
Nos Jogos de 2016, o brasileiro sofreu três punições contra o francês Teddy Riner, na derrota que o tirou do caminho para a medalha de ouro. Mas aquele era um combate em que Baby era enorme zebra, mesmo lutando em casa. Riner era imbatível. Venceu o ouro no Rio da mesma maneira que já havia feito em Londres.
Esse cenário também mudou, o que faz Rafael se animar. O rival já não é tão insupearável assim. Riner passou 154 lutas invicto. Foram dez anos sem perder. Mas, em 2020, foi derrotado duas vezes. Em fevereiro, caiu diante do japonês Kokoro Kageura. Em novembro, perdeu para o compatriota Omais Joseph Terhec.
“Quebrou esse paradigma de ele ser um atleta invencível. É o melhor momento possível para lutar contra o Teddy Riner. Ele foi o responsável pela mudança da categoria, por deixá-la mais dinâmica. É o momento em que todo o mundo quer enfrentá-lo porque acabou a mística. Ele perdeu”, completa o judoca, patrocinado pela Ajinomoto.
Baby vê como uma vitória estar no Japão porque disputou a vaga brasileira na categoria até o Mundial de Budapeste, há menos de dois meses. Ter esse torneio tão perto das Olimpíadas é inusitado, mas ele teve de viajar e lutar porque precisava dos pontos para garantir que seria escolhido para a equipe. Ele confessa que ter as duas competições tão próximas foi algo que mexeu com a sua cabeça.
A primeira etapa foi vencida. E, já que chegou a Tóquio, por que não se despedir dos Jogos com outro pódio?
“Essa pressão, essa adrenalina dos Jogos, é algo indescritível na vivência esportiva. Você está nas Olimpíadas. Cada movimento, cada gesto, pode fazer você escrever a história e marcar sua vida. Isso é o que faz as Olimpíadas serem algo mágico. Só o fato de ir é grandioso, mas você tem de chegar lá e estar bem”, completa.
O brasileiro desembarcou em Tóquio curioso sobre como vai ser a experiência de competir no Nippon Budokan vazio. Sem o barulho da torcida no Mundial de Budapeste, Baby afirma que conseguia escutar a respiração e a passada do adversário.
Toda a preparação ele levou na ponta dos dedos para não dar errado, e funcionou. Não se machucou na reta final, obteve a vaga olímpica e, agora, prepara-se para entrar no tatame. Deu certo, apesar da impossibilidade de treinar com outros atletas por causa da pandemia.
Dizer que não pensa no pódio em Tóquio é uma maneira de se blindar e manejar as expectativas. Porque Baby jura que não planeja as próximas lutas baseado em chegar ao recorde do judô olímpico do país. Mas, volta e meia, cita a tal terceira medalha. Como qualquer um que já tivesse duas e fosse para sua derradeira edição olímpica, aliás, citaria.
“Há uma carga de ansiedade. Não há como negar. Mas isso é o mais fantástico no esporte olímpico, é o que todo atleta sonha, em ter o resultado”, finaliza.