TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – Mayra Aguiar, 29, estava quase para deixar a sala de imprensa quando uma jornalista francesa lhe perguntou se ela estaria nas Olimpíadas de Paris, em 2024.
“Paris? Claro!”, foi a resposta imediata.
A judoca, que conquistou nesta quinta-feira (29) o bronze na categoria 78 kg nos Jogos de Tóquio, chorou copiosamente, riu, foi sincera até demais e dedicou a medalha a muita gente. Em alguns momentos, fez tudo isso ao mesmo tempo. Falou com rapidez, como se ainda estivesse na montanha russa de quem ficou 16 meses sem lutar e passou por cirurgia no joelho em 2020.
Mas quanto a estar presente nas próximas Olimpíadas, foi incisiva.
“Três anos passam rápido. Podem me esperar que vou estar lá incomodando todo mundo pela medalha”, garantiu.
Se acontecer, será a quarta. Depois dos bronzes em Londres-2012, Rio-2016 e Tóquio-2020, Mayra já é a maior medalhista brasileira da história do judô e, ao lado de Fofão, quem mais subiu ao pódio entre as mulheres do país.
Ela ficou ainda mais satisfeita (como se isso fosse possível) pela maneira como ganhou a medalha no Nippon Budokan, a casa do judô: por imobilização contra a sul-coreana Hyunji Yoon. Para quem sempre considerou a luta no chão seu ponto fraco, vencer dessa forma foi ainda mais saboroso.
Enquanto segurava a rival no solo e a prendia com as pernas e braços, não passou um filme em sua cabeça sobre todos os problemas que viveu. Nem pensou na mãe, na irmã, no namorado, na cadelinha Isabelle, nos treinadores e nos fisioterapeutas. Todos a quem agradeceria, em lágrimas, minutos depois.
A brasileira só queria ter certeza que Yoon não escaparia do movimento de imobilização.
“Não vai dar para falar aqui as exatas palavras [que pensou], porque é feio. Mas foi tipo: não vou sair daqui nem a pau. Eu iria dar a vida ali”, completa.
Antes de chegar a Tóquio, Mayra havia feito apenas duas lutas de categoria internacional em 16 meses.
Em junho, participou do Mundial em Budapeste. Foi sua primeira competição antes das Olimpíadas. Ganhou um combate e perdeu outro. Não era exatamente a preparação ideal para o momento mais importante da vida de um atleta.
“Foi uma briga psicológica que vivi todos os dias, todos os momentos, desde o instante em que me machuquei até hoje. Tive altos e baixos, como uma onda. Um dia de felicidade, de ver que estava melhorando e dali a pouco caía de novo.”
A judoca disse tudo isso entre risos e choro. Disse várias vezes o quanto é chata e agradeceu às pessoas que a suportaram nesse período todo. Mas se expressou com tanta graça que todos riram. Até ela. Explicou que na semana passada estava de TPM e teve dificuldades para perder peso porque ficou muito inchada.
Acima de tudo, fez questão de deixar claro o quanto sentia falta de competir. A brasileira três vezes medalhista olímpica enfim entendeu o significado do que sua mãe, Leila, dizia todas as vezes em que ela saía de casa para uma competição. Mesmo quando ainda era uma criança. O conselho nunca foi vencer, nem dar o melhor de si.
“Hoje eu sou mais leve fazendo o que faço. Colocava uma pressão gigantesca em mim antes. Ainda coloco, mas minha mãe sempre me falou, desde o início: ‘vai lá e te diverte, faz o que tu amas.’ E eu amo judô.”
A pandemia da Covid-19 havia tornado difícil os treinos em 2020, mas não apenas para ela. Era um problema geral. No caso da gaúcha, houve a lesão no joelho e a necessidade de cirurgia. Foi a sétima da sua carreira. Período em que acordava otimista e depois ficava para baixo ou vice-versa. Mais de uma vez, Mayra definiu isso como “ondas”. Oscilava com a fé de que estaria em Tóquio ou com mau humor tão grande que nem ela se aguentava.
Ter de fazer dieta para não sair demais do peso de competição também não ajudou seu ânimo.
Neste contexto todo, apareceu Isabelle. Ou Belle. Ou Maria Isabelle. Mayra afirma que por qualquer um dos nomes, a cadelinha que adotou no ano passado atende. E se o animal ajudou a levantar o moral da judoca, a deixá-la mais feliz, também teve participação na medalha.
“Cuidar dela fez com que eu me sentisse muito bem.”
Mayra ficou com raiva de si mesma quando perdeu para a alemã Anna-Maria Wagner e viu o sonho do ouro ir embora. Como sempre acontece a cada revés. Mas depois de tantas aflições, compartimentou a frustração para repetir o que havia feito em Londres e Rio. Subir ao pódio seria uma vitória gigantesca. E foi.
“Perder me mata. Eu sei o quanto é importante vir até aqui e voltar com uma medalha olímpica”, constata.
A Mayra de 2012 poderia ficar contente, mas frustrada porque o primeiro lugar lhe escapou. A Mayra de 2021, não. Ela sabe que a conquista em Tóquio foi a mais especial de todas.
“Hoje eu sei que sou uma pessoa mais forte. [Esta medalha] foi a mais difícil, a mais gratificante. Eu tento curtir este momento. A Mayra hoje é mais experiente, mais forte mentalmente e é mais feliz”, definiu.
E se o problema é ganhar o ouro, Paris pode ser a resposta.