SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a judoca Mayra Aguiar, 30, está entre aqueles atletas que tiveram de superar lesões graves no caminho para o sucesso no Japão. A recuperação, difícil, tornou-se ainda mais complicada por causa da situação de pandemia, com as questões mentais do isolamento se somando aos problemas físicos.
A gaúcha precisou passar por uma cirurgia no joelho esquerdo, em novembro de 2020. Foi nessa época que fez uma escolha que se mostraria importante em sua trajetória para se tornar a primeira mulher do Brasil com três pódios olímpicos em disputas individuais na história: adotou a cadela Belly.
“A cachorrinha chegou bem doentinha, bem difícil de tratar. Foi uma semana bem dura, mas foi um processo em que eu e ela fomos melhorando a cada dia. Eu via a evolução dela, via a minha evolução também. Para mim, fez muito bem”, diz à Folha.
Ainda mais importante foi a companhia da irmã, Hellen, de quem Mayra é muito próxima desde a infância. Hellen foi valiosa em um período que Mayra define como de desequilíbrio emocional. A irmã da judoca é fisioterapeuta, mas também fez as vezes de psicóloga, gestora de redes sociais, amiga, treinadora e colega de apartamento.
“Foram momentos de muita dor, insegurança, medo, angústia, aflição e solidão também. Eu moro sozinha desde os 15 anos, mas nunca tinha me sentido tão sozinha”, diz. “Houve momentos em que parecia que eu estava em um sonho, na verdade um pesadelo. Eu me perguntava o que estava acontecendo, não sabia se era real ou não”, recorda.
Mayra lembra que estava fisicamente em sua melhor fase quando a pandemia chegou ao Brasil. De um dia para o outro, não tinha mais onde treinar, não sabia quando os Jogos ocorreriam ou nem mesmo se seriam realizados.
O adiamento das Olimpíadas ofereceu uma possibilidade de redirecionamento dos planos, mas aí veio a lesão no ligamento cruzado do joelho esquerdo, dez meses antes dos Jogos. Ela já havia passado pela mesma cirurgia anos antes e sabia que precisaria de ao menos seis meses para se recuperar. Não sabia se os outros quatro seriam suficientes para adquirir uma boa forma.
“Doeu demais. Hoje, eu consigo falar, consigo ter um equilíbrio de enxergar tudo o que está acontecendo, mas em muitos momentos eu tive um desequilíbrio”, lembra.
Todo esse sentimento veio à tona no momento em que ela aplicou um Ippon na sul-coreana Yoon Hyun-ji e chorou muito no tatame. De acordo com a brasileira, passou imediatamente em sua mente um filme “só dos perrengues”.
Mayra confessa que ainda hoje ainda não está 100% recuperada da lesão. Ela sabia que seria assim e, mesmo depois de todo o período de desequilíbrio na preparação, apostou na força mental para superar suas adversárias.
Para ser a primeira judoca brasileira a conquistar três medalhas olímpicas, a gaúcha se fechou em sua própria bolha. Nem sequer assistiu a lutas de colegas, afastou-se do mundo virtual e chegou a mentir para si mesma que não sentia cansaço.
Nesse isolamento imposto a si mesma, Mayra delegou à irmã parte da tarefa de atualização de seus perfis nas redes sociais. Chegou a trocar o chip do seu celular e, desligada do mundo, só depois das Olimpíadas foi se inteirar sobre o caso de Simone Biles –a estrela da ginástica que abriu mão de parte das competições em Tóquio por questões de saúde mental, levantando a discussão sobre o tema.
A judoca brasileira é empática com a ginasta norte-americana. Sabe que tão importante quanto a força física para derrubar adversárias ou executar piruetas é ter a mente saudável para controlar o corpo.
“Se ela ficou bem, eu fico feliz. O judô é minha carreira, uma coisa que eu amo, mas eu também tenho minha família, tenho minha vida, tenho pessoas que gostam de mim e são minhas prioridades”, diz.
Mayra fez 30 anos no dia em que desembarcou em Porto Alegre após a conquista no Japão. A menina que era enérgica e gostava de disputar todos os esportes possíveis na infância, agora busca novas perspectivas.
Conta que tenta ser para jovens como Luana Carvalho e Eliza Ramos (campeãs pan-americanas sub-21 e suas sparrings em Tóquio) o mesmo que João Derly e Taciana Lima foram para ela no início de sua carreira.
“Hoje é difícil por conta da carreira, das viagens, competições. Mas eu gostaria e acredito que eu possa me doar mais em prol do outro, também na parte social, poder presentear algo para a sociedade”, reflete.
Agora, seu foco são os Jogos de Paris, em 2024. Ela não pretende aproveitar períodos mais estendidos de descanso até as Olimpíadas na França e espera participar de pelo menos um dos dois Grand Slams de judô marcados durante o ciclo.
Mayra já voltou a treinar, mas confessa que a cabeça ainda deve levar alguns dias para voltar ao ritmo das competições. Se antes das Olimpíadas o período foi marcado pelo medo, agora é a empolgação que toma conta da judoca.
“Eu estou em uma loucura. As pessoas têm me reconhecido muito na rua. Quando eu cheguei em casa, eu não sabia o que estava acontecendo. Estou meio avoada, a cabeça ainda está nas nuvens, mas meu corpo ainda está pilhado. E eu sei que uma medalha é construída desde agora.”