SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Assim como o jogador de futebol que não podia comprar chuteiras quando era garoto ou a boxeadora que precisava de luvas emprestadas para competir, Richard Carapaz encontrou sua primeira bicicleta em meio a um monte de sucata que seu pai trouxe para casa. Modelo BMX, estava enferrujada e não tinha banco.
Foi o contato inicial com o instrumento que o faria entrar para a história do esporte.
Neste sábado (24), o ciclista equatoriano de 28 anos venceu a prova do ciclismo de estrada e conquistou a primeira medalha de ouro sul-americana nas Olimpíadas de Tóquio. Em uma modalidade historicamente dominada por europeus, ele deixou para trás o belga Wout van Aert e o esloveno Tadej Pogacar no percurso de 234 km da Fuji International Speedway.
Orgulho para o Equador, que viu Carapaz, conhecido como “A Locomotiva”, registrar apenas a segunda medalha dourada do país em Jogos. A primeira veio há 25 anos, quando Jefferson Pérez venceu a marcha de 20 km Pérez também faturou prata em Pequim, fechando a lista de pódios olímpicos equatorianos.
“É algo incrível, para o meu país é muito importante, um ouro que vai ser lembrado para sempre. Ser parte desse pequeno grupo de esportistas que pôde conseguir [a medalha] é algo muito grande, que vai ficar para a história do meu país, da minha vida”, afirmou o ciclista após a vitória histórica.
Nascido na província de Carchi, localizada no norte do Equador e próxima da fronteira com a Colômbia, Carapaz ia ao colégio com aquela bicicleta enferrujada que encontrou no meio da sucata trazida por seu pai, Antonio. Com ela, também percorria as montanhas da região, que fica a 3.000 metros acima do mar.
Aos 15, conheceu o ex-ciclista Juan Carlos Rosero, representante do Equador em Barcelona-1992. Rosero tinha uma escola de ciclismo e introduziu Carapaz no mundo competitivo. Cinco anos depois, ele já havia faturado o Pan-Americano Sub-23 e começava a decolar rumo a uma carreira de sucesso na modalidade.
Em 2014, entretanto, foi atropelado enquanto pedalava, e a perspectiva de seguir no esporte não era das melhores. Passou seis meses afastado das provas e retornou somente em 2015, quando viajou à Colômbia para competir por uma equipe do país que tem mais tradição no ciclismo que o Equador.
O bom rendimento no cenário local fez com que o atleta projetasse a ida à Europa, onde estão os principais ciclistas e provas do mundo.
Aos poucos, com apresentações de destaque em competições tradicionais da Espanha, Carapaz se firmou no ciclismo europeu como um bom gregário, o nome que se dá ao competidor cuja função é auxiliar a equipe em detrimento do desempenho individual. Um carregador de pianos em cima de uma bicicleta.
O papel de mero ajudante, porém, passou a ficar pequeno para o atleta equatoriano, que ganhou protagonismo e surpreendeu em 2019 com o título no Giro d’Itália, uma das três grandes provas do circuito mundial. Pela primeira vez, colocou o Equador no pódio de uma dessas três competições.
Os dois anos seguintes confirmaram a transição de coadjuvante a protagonista. Na Volta da Espanha do ano passado, ficou com o vice, seguido por uma terceira colocação no Tour de France deste ano.
Se as provas de maior prestígio do esporte o transformaram em atleta de elite e deram a ele reconhecimento, o ouro nas Olimpíadas de Tóquio tratou de torná-lo eterno. E tudo começou com uma bicicleta enferrujada, na qual não conseguia nem sentar.