SÃO PAULO, SP, E MACEIÓ, AL (FOLHAPRESS) – O Nordeste foi o ator principal na classificação final do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio (12º). Com 4 dos 7 ouros conquistados pelo país e 2 pratas, os atletas nordestinos alcançaram um protagonismo inédito em Jogos.
No entanto, o objetivo deles vai muito além do pódio. Com a visibilidade conquistada, os atletas querem incentivar o esporte em sua região para que outros consigam alcançar o posto de medalhistas olímpicos sem que precisem se afastar de casa para se preparar e buscar esse feito.
“Eu acho que é uma das piores situações que o atleta passa, ficar longe de casa. Acho que, aos pouquinhos, a gente pode tentar mudar isso”, explica Beatriz Ferreira. Ela conquistou a medalha de prata no boxe feminino em Tóquio.
A pugilista é natural de Salvador, de onde conversou com a reportagem, mas se divide entre Juiz de Fora (MG), lugar que viveu com o pai e treinador por anos, e São Paulo, cidade na qual mora e treina com a seleção brasileira de boxe.
A estrutura de seleções e clubes, inclusive, é o maior motivo para que os atletas deixem os seus estados de origem. No caso do boxe, a preparação é realizada na capital paulista.
Já a canoagem, representada no quadro de medalhas pelo ouro do baiano Isaquias Queiroz, de Ubaitaba, a sede da seleção é em Lagoa Santa, no interior de Minas Gerais.
“Eu estou onde a seleção está. Se a Bahia tivesse um local ótimo de treinamento, para fazer uma base de seleção boa, com estrutura para montar uma raia e a seleção viesse, eu iria”, explica.
Entre os medalhistas de ouro do Brasil nas Olimpíadas, Isaquias, Hebert Conceição, do boxe, e Ana Marcela Cunha, da maratona aquática, treinam fora do Nordeste. Ana se mudou para Santos, no litoral de São Paulo, ainda adolescente, para treinar na Universidade Santa Cecília (Unisanta).
Quem se manteve em casa foi o surfista Italo Ferreira, de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte. Ele conta que por causa da pandemia precisou construir uma estrutura que o servisse bem em sua cidade, onde aprendeu a surfar em tampas de isopor quando era criança.
“Eu consegui montar uma academia em casa para o meu treino físico, com bastante surfe e fisioterapia”, conta. Feliz com o resultado, ele garante que não pretende deixar o local. “Eu amo viver aqui, não pretendo sair”, disse o atleta, que viaja muito durante o ano para as etapas do circuito mundial de surfe.
Das seis medalhas nordestinas nos Jogos Olímpicos de Tóquio, quatro foram de atletas baianos e duas de outros estados. Além de Italo, do Rio Grande do Norte, o outro triunfo brasileiro da região veio com a maranhense Rayssa Leal, 13, prata no skate street.
A “fadinha”, como é conhecida, vive em Imperatriz, a mais de 600 km de distância da capital São Luís. Ela divide o tempo entre os treinos e a escola em sua cidade natal. Motivos de sobra para permanecer em casa.
O calendário de Rayssa se ajusta para acomodar provas e simulados fora dos períodos de competição. Antes mesmo do encerramento das Olimpíadas, ela já estava de volta à sala de aula.
“Eu estava morrendo de saudade da minha escola, dos meus professores e dos meus amigos”, publicou em uma de suas redes sociais na ocasião.
A falta de incentivo ao esporte em algumas localidades do país é alvo de crítica dos atletas. No caso do boxe, após a medalha de ouro de Robson Conceição no Rio de Janeiro, em 2016, o governo do estado prometeu a construção de um centro de treinamento da modalidade. No entanto, cinco anos depois, o espaço ainda nem começou a ser construído.
Em nota enviada à reportagem pela Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Governo da Bahia (Setre), o local escolhido teve um parecer desfavorável do Iphan. Com um novo espaço já definido, a secretaria afirma que o projeto está sendo adaptado para a mudança.
O governo do estado também diz ter investido R$ 33 milhões em obras de infraestrutura esportiva em 2020, como na construção de centros de treinamento de canoagem em Itacaré, Ubaitaba e Ubatã (ainda a ser inaugurado). De acordo com a Setre, o governo já aprovou R$ 100 milhões em obras para o período entre 2021 e 2022.
Já o COB (Comitê Olímpico do Brasil) afirma que os projetos não são regionalizados, mas que os atletas nordestinos contam com suporte do comitê, como a utilização da estrutura e serviços fornecidos pela entidade.
Questionado sobre investimentos no Nordeste, o Ministério da Cidadania, do qual faz parte a Secretaria Especial do Esporte do governo Jair Bolsonaro, reforça que investe em programas e ações voltados ao esporte e aplica recursos para o desenvolvimento de atletas de alto rendimento. A pasta não aponta, porém, os aportes financeiros por região, mas afirma ter colocado mais de R$ 750 milhões no esporte em 2020.
“A gente mostrou que tem um potencial enorme e, se houvesse o investimento, teria ainda mais resultado”, avalia Hebert Conceição. Para suprir essa necessidade, os próprios atletas tomam a frente e querem lançar os seus projetos para beneficiar suas comunidades.
“Eu acredito que o esporte e a educação são duas ferramentas fundamentais para a inclusão social, então tenho esse sonho”, diz o boxeador. Italo, em Baía Formosa, já transformou suas ideias em realidade.
Ele montou o Instituto Italo Ferreira para fomentar o esporte, a sustentabilidade e a educação ambiental. “Temos o surfe como pilar, além da prática de atividades extracurriculares ligadas à educação ambiental, direcionadas principalmente às crianças, jovens e adolescentes em estado de vulnerabilidade.”