Acostumado com o Brasil ou até mesmo com os países vizinhos da América do Sul, o palmeirense que viajou mais de 12 mil km para acompanhar o time em Abu Dabi na disputa do Mundial de Clubes enfrenta um choque de realidade cultural no país-sede da competição. A capital dos Emirados Árabes Unidos apresenta um cenário de diferenças significativas quanto aos costumes, comida e, especialmente, religião.
A expectativa é de que cerca de 3 mil torcedores do Palmeiras viajem ao pequeno país da Península Arábica situado ao longo do Golfo Pérsico para acompanhar o time no torneio da Fifa. Eles começaram a se fazer presentes nesta segunda-feira, dia 7, véspera da estreia do Palmeiras no torneio contra o Al Alhy. Em média, o gasto de cada torcedor que saiu do Brasil para ver a equipe nos Emirados é entre R$ 10 mil e R$ 20 mil, incluindo as despesas com passagens aéreas, hospedagem, transporte, alimentação, exames de covid-19 e ingressos.
A reportagem do Estadão viu palmeirenses perto do hotel onde está hospedada a delegação do time, do estádio dos jogos do Zayed Sports City, onde treinam os atletas, e em pontos turísticos de Abu Dabi. Vindo do Brasil ou de outros lugares do mundo ocidental, eles enfrentam na capital dos Emirados Árabes uma realidade totalmente diferente da que estão acostumados diante de leis mais severas e conservadoras na nação asiática. A começar pelas bebidas alcoólicas, tão presentes nos arredores dos estádios de futebol brasileiros.
Em Abu Dabi, não é permitida a venda e ingestão de bebidas alcoólicas em lugares públicos. Apenas locais autorizados podem comercializar cerveja, vinho e outras bebidas com teor alcoólico. A quebra dessa regra, bem como estar bêbado e causar desordem em público, pode gerar multa e prisão. Uma cerveja long neck custa em média R$ 50.
Nos Emirados, é recomendável evitar falar alto e se portar de maneira exagerada. Até mesmo em Dubai, uma cidade cosmopolita, com influência ocidental e repleta de estrangeiros, o alto volume das vozes causa desconforto. “Se você fala um pouco fora do tom, aparece uma pessoa para te advertir”, conta o empresário paulistano Cláudio Oliveira, que preferiu se hospedar mais dias em Dubai porque conseguiu um voo direto para lá. “Em Abu Dabi é ainda mais restrito. Não toleram exageros”, acrescenta.
FOTOS – Tirar fotografias de um residente sem o seu consentimento é proibido. O país tem leis severas de proteção à imagem e privacidade, e seus infratores estão sujeitos a prisão e/ou multa.
Os palmeirenses trouxeram bandeiras, faixas e instrumentos musicais para fazer, em menor número, a festa vista em Montevidéu na final da Libertadores. A diferença em relação aos apoiadores locais é grande. Os torcedores do Al Jazira, time anfitrião, são eufóricos e barulhentos dentro do estádio, mas não tem a chamada “cultura de arquibancada” do sul-americano. Não levam bateria, bandeiras e outros objetos para os jogos.
O Itamaraty adverte aos brasileiros que em lugares públicos “abraços, beijos e outras demonstrações de afeto não são bem vistos pela cultura local e podem resultar em consequências legais”. Também cita a importância de não fazer gestos ofensivos e obscenos, pois “as punições a esses tipos de comportamento são geralmente bem mais severas do que as praticadas no Brasil e nos demais países ocidentais”. “Você não vê beijo, carinho, de nenhum casal em público”, observa o paulista Luiz Felipe (se apresentou desta maneira apenas), fã do Palmeiras e ansioso pelo jogo de estreia.
Também há rigidez quanto às regras sanitárias vigentes na nação do Oriente Médio. Todo turista que chega aos Emirados Árabes é submetido no aeroporto a um teste PCR gratuito. O resultado sai em até duas horas e é enviado via SMS ou pode ser acessado por meio de um QR code. Caso o resultado seja positivo, é obrigatório o cumprimento de dez dias de isolamento, sob pena de multa de 10 mil dirhams – aproximadamente R$ 14 mil. O terceiro goleiro do Palmeiras, Vinícius Silvestre, testou positivo e está passando por essa quarentena.
O teste, o comprovante vacinal e outros dados do viajante ficam disponíveis no Al Hosn, aplicativo do governo federal obrigatório em boa parte dos estabelecimentos do país e pedido, inclusive, para o acesso aos estádios que recebem os jogos do Mundial. Essa ferramenta emite um “Green Pass”, cuja apresentação é necessária para a entrada em vários ambientes na cidade.
AQUI NÃO! – Dois palmeirenses tentaram entrar em um bar situado dentro de um hotel de luxo em Abu Dabi e não conseguiram, pois os resultados de seus exames ainda não haviam sido enviados. Eles vieram do Japão. “Estamos aflitos esperando os resultados dos exames”, conta um deles, que preferiu não se identificar. É obrigatório passar por um novo exame contra a covid-19 a cada quatro dias durante a permanência no país.
O islã, pouco conhecido e difundido no Brasil, é a religião oficial dos Emirados Árabes e tem forte influência sobre a vida dos cidadãos locais. Ao andar pelos espaços da capital emiradense, é possível ouvir, seja em um hospital ou em um mercado, cânticos religiosos em diferentes horas do dia, como um chamamento para a oração. “Percebi que eles são tolerantes. Também me chamou a atenção a bandeira por todo o canto. Eles têm orgulho de ser quem são. Há um sentimento de ufanismo forte”, destaca o engenheiro Leonardo, mais um torcedor alviverde circulando pelo outro lado do mundo.
A maior parte dos emiráticos se vestem com trajes tradicionais e podem se sentir incomodados com pessoas usando roupas mais ousadas. As vestimentas ocidentais, no entanto, são bem aceitas no geral. Às mulheres estrangeiras recomenda-se cobrir os ombros e joelhos, evitando decotes. Aos homens, a orientação é uso de calças compridas em ambientes mais formais ou religiosos.
OUTRAS CURIOSIDADES SOBRE O PAÍS-SEDE DO MUNDIAL – Os Emirados Árabes, junção de sete emirados localizados no sudeste da Península Arábica, e que recebem pela quinta vez o Mundial de Clubes, investem alto seus petrodólares para estar entre os principais destinos turísticos do mundo. Abu Dabi é a capital do país, mas o destino mais famoso e visitado é Dubai, uma cidade cosmopolita e mais aberta ao turismo, com influência do mundo ocidental.
Em Abu Dabi se vê avenidas largas, com até seis faixas, uma cidade espaçosa, diversas construções em andamento, não muito populosa e que mescla tecnologia e luxo. Há trabalhadores oriundos de países mais pobres da Ásia, como Indonésia e Paquistão. No geral, eles são simpáticos, educados e mais dispostos a ajudar um turista do que os cidadãos locais.
Abu Dabi, como outras cidades dos Emirados Árabes, é marcada pela opulência. Talvez o maior símbolo do requinte e ostentação seja a gigante Mesquita Sheikh Zayed, a terceira maior do mundo e uma das poucas que não muçulmanos podem visitar. Nela, há o maior tapete do mundo, fabricado por mais de 1200 artesãs, com 5 mil metros quadrados e 47 toneladas.
Grande parte dos espaços, públicos ou privados, são batizados com nomes dos sheiks, personagens adorados e respeitados pelos árabes e que comandam os emirados. O imponente Mohammed bin Zayed Stadium, palco da final do Mundial, por exemplo, leva o nome do príncipe herdeiro de Abu Dabi e comandante supremo adjunto das Forças Armadas dos Emirados Árabes.