TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – Medalhista de prata nas Olimpíadas de Tóquio-2020 aos 13 anos, Rayssa Leal age de forma parecida dentro e fora das pistas de skate.
Leve e espontânea, ela vira a chave rapidamente para falar com convicção. Da mesma forma, num piscar de olhos é capaz de ir dos passos de dança com uma amiga competidora para a manobra que lhe garantiu o posto de mais jovem medalhista olímpica do Brasil, nesta segunda (26), na categoria street.
Antes de conversar com a imprensa no parque de esportes urbanos de Ariake, a atleta segurou sua medalha de prata e brincou que o objeto era mais pesado que os seus 35 kg. Depois, recusou com gentileza quando o assessor que a acompanhava se ofereceu para segurar a mascote que ganhou no pódio. “É bonitinho, eu gostei dele.”
Não há dúvidas a respeito da habilidade de Rayssa sobre o skate, mas a forma como ela encararia o peso da estreia do esporte nos Jogos, com grande expectativa pelo desempenho dos brasileiros, parecia uma incógnita. No fim, a preocupação era muito mais dos outros do que dela própria.
“Eu tento ao máximo me divertir, porque tenho certeza que se divertir faz as coisas fluírem. Estar dançando ali [com a filipina Margielyn Didal] é muito engraçado, ontem a gente fez um TikTok se divertindo. Tento ficar mais leve e não pegar toda essa pressão”, disse.
A Rayssa que conquistou os brasileiros nas últimas semanas viveu o clímax de popularidade e sucesso esportivo na madrugada desta segunda. Ao saber que sua conta no Instagram superou 2 milhões de seguidores, reagiu com surpresa. Terminaria a segunda-feira com mais de 5 milhões.
“Que que é isso, minha gente? Eu não sabia. Quero ter um tempinho para olhar, falar com os meus pais. Desde o começo que entrei nas redes sociais, sempre foi um sonho ter meu primeiro milhão. Ontem eu ganhei um milhão e hoje já tenho dois?”, tentou entender.
O ambiente virtual é totalmente familiar para ela, nascida em 2008. Um vídeo de 2015, no qual ela aparece andando de skate vestida de Sininho que lhe rendeu o apelido Fadinha permitiu à menina de Imperatriz (MA) rodar o mundo e conhecer a lenda do esporte Tony Hawk.
“Não sei nada sobre isso, mas é impressionante. Um heelflip de conto de fadas no Brasil por Rayssa Leal”, ele publicou no Twitter à época. Em Tóquio para comentar as competições, o americano de 53 anos virou “tio Toninho” nas interações com a brasileira.
“Eu só o vi duas vezes hoje. Ele estava passando, eu dei um oizinho e ele me deu um oi de volta. Depois chegou e falou comigo, good luck [boa sorte], para eu quebrar a pista. Acho que quebrei, não sei [risos].”
Rayssa formou o pódio em Tóquio com as japonesas Momiji Nishiya (ouro), 13, e Funa Nakayama (bronze), 16. No caminho, brasileiras consideradas favoritas, como Pâmela Rosa, 22, e Leticia Bufoni, 28, foram eliminadas antes mesmo da disputa final.
A presença de adolescentes se destacando no skate não é uma novidade, mas a inserção do esporte no programa olímpico alimentou o debate sobre a criação de um limite mínimo de idade para participação a partir de Paris-2024.
Numa cena pouco usual, três adolescentes cuja soma de idades alcança 42 anos entraram na sala de imprensa para a entrevista coletiva dos medalhistas. Rayssa parecia a única a não estar intimidada. Respondeu com desenvoltura às perguntas feitas em português, inglês e japonês (estas com tradução simultânea) e encerrou com um “arigatô” (obrigado, na tradução do japonês).
Se não sabe o que responder, ela para e tenta encontrar a melhor resposta, como ao ser questionada sobre a volta à escola em Imperatriz. “Eu não consegui pensar em nada ainda. Deixa eu pensar aqui como vai ser Vai ser muito especial porque a minha escola sempre me apoiou muito e meus amigos sempre me ajudaram bastante a quebrar esse preconceito de que menina não deve andar de skate”, respondeu.
Sua mãe, Lilian, autorizada a estar em Tóquio para acompanhá-la, e o pai, Haroldo, sempre reiteraram que a carreira profissional da filha deveria ser tratada com cuidado, para que ela não perdesse fases importantes do desenvolvimento nem carregasse muita pressão.
Ao ver Rayssa andar de skate para milhões de telespectadores como se estivesse na pista pública de Imperatriz, ou encarando a imprensa mundial numa bateria de perguntas a que as colegas japonesas praticamente nem respondiam, fica claro que o mantra da “diversão com responsabilidade” vem sendo seguido até agora.
Ainda que não seja comum para uma adolescente ter que se manifestar sobre o possível legado de seus feitos, ela tem na ponta da língua de que forma pretende inspirar outras pessoas, principalmente garotas, a andarem de skate no Brasil. “Meninas já me mandaram mensagem falando que começaram a andar de skate ou que os pais deixaram andar de skate por causa de um vídeo meu. Eu fico muito feliz, porque foi a mesma coisa comigo”, contou, lembrando que convenceu o pai mostrando um vídeo da hoje amiga e companheira de seleção Leticia Bufoni. A partir de agora, a referência será ela.