Para a ginasta Rebeca Andrade, o dia 1º de agosto de 2021, ficará marcado para sempre. Ela iniciou sua corrida no ginásio, em Tóquio, tomou impulso no trampolim, tocou na mesa e, após instantes de solidão no ar, aterrissou com os dois pés em sincronia, para ganhar a primeira medalha de ouro olímpico na história da ginástica artística feminina do Brasil. Dias antes, já havia ficado com a prata na individual geral, tornando-se a primeira esportista brasileira a conquistar duas medalhas olímpicas em uma mesma edição.
Assim que fincou os pés na superfície lisa, Rebeca, ginasta do Flamengo, passou a ver o mundo sob uma nova ótica. A de ser famosa internacionalmente. Em entrevista ao Estadão, ela afirma que essa foi a grande mudança em sua vida. “Mudou muita coisa depois da Olimpíada. Mas a maior mudança foi que, depois das medalhas olímpicas, agora mais gente me conhece. Tenho feito mais trabalhos com parceiros, novos patrocinadores, e estou adorando, mas faço isso nos meus momentos de folga. Minha rotina segue a mesma, continua como era antes, com muitos treinamentos e o mesmo foco. Divido bem os meus horários e meus compromissos, nada pode atrapalhar a minha rotina de atleta, o meu dia a dia no esporte”, diz.
Com uma carreira bem estruturada, que evoluiu por etapas e com conquistas anteriores, ela diz ter consciência de que as pressões por novas medalhas passam a ser uma consequência natural. Da fama e do reconhecimento de seu potencial. Enquanto treina, corre, salta, Rebeca também tenta se equilibrar mentalmente, para lidar com as expectativas em torno dela, na próxima Olimpíada, de Paris, em 2024.
“Estou muito tranquila, não deixo que essas pressões ou cobranças mudem a minha maneira de trabalhar, o meu foco e o meu planejamento. Claro, eu sei que as medalhas no Japão criam uma expectativa enorme, aumenta a torcida de todos por mim, mas sei da minha responsabilidade. Treino com a mesma intensidade sempre, dando o meu melhor sempre para poder chegar bem nas competições e fazer o meu melhor”, diz a ginasta, de 22 anos.
ESSÊNCIA NA GINÁSTICA
Voltemos ao momento do salto. Enquanto Rebeca rodopiava no ar, aqueles instantes solitários bem poderiam se assemelhar a uma fábula. Na qual a personagem que sonha, enquanto sobrevoa campos e cidades, visualiza passagens de sua vida.
Lá do alto, era como se Rebeca saltasse sobre sua infância pobre ao lado de sete irmãos, em Guarulhos, onde nasceu; revisse a luta da mãe para sustentar a família e visualizasse o primeiro dia em que foi treinar, no Ginásio Bonifácio Cardoso, em sua cidade natal.
Naquele momento, Rebeca revelava para o mundo, com toda a plenitude, sua mais profunda essência. A ginástica, para ela, sempre foi uma brincadeira muito séria. A glória é apenas um detalhe. E uma consequência.
“Amo a ginástica, amo o meu esporte, amo o que faço e sempre sonhei estar onde cheguei. Todos os dias acordo feliz em poder fazer o que mais amo, isso é um privilégio, fruto de muita dedicação, de acreditar no meu sonho e do apoio de muita gente, da minha família, meus amigos, minha equipe, meu clube, o Flamengo, o COB… Estou sempre motivada, a ginástica é o meu trabalho, a minha profissão, mas é também onde eu me divirto, é o que me faz feliz. Tenho o mesmo carinho e paixão pelo esporte que tinha quando eu comecei, quando era criança”, revela.
TRABALHO COM NUTRÓLOGO
Nesta nova etapa, novidades continuam a se encaixar à carreira da atleta. A questão psicológica sempre foi um suporte importante para ela lidar com a pressão. Já passou por três cirurgias no joelho e o acompanhamento da psicóloga Aline Wolff, desde os nove anos, a ajudou a superar as dificuldades.
Após a Olimpíada, Rebeca também passou a contar com o trabalho de um nutrólogo, visando a aprimorar a relação entre alimentação e saúde. “Minha alimentação não mudou em nada. Continuo mantendo a mesma alimentação, balanceada, comendo de tudo um pouco, com os mesmos cuidados que sempre tive nos períodos de treinos mais intensos e competições. Agora eu tenho o acompanhamento de um nutrólogo, mas ele me falou que eu já como bem, como tudo certinho”, conta Rebeca.
Tanto o nutricionista quanto o nutrólogo orientam os pacientes para hábitos alimentares saudáveis.
A diferença é que o nutrólogo é médico e, além de poder receitar medicamentos, trabalha na prevenção, diagnóstico e tratamento de possíveis doenças e sequelas ligadas à alimentação. O nutrólogo de Rebeca preferiu não dar declarações, com o argumento de que não fala sobre seus pacientes. Também não autorizou a divulgação de seu nome.
Ainda em 2021, Rebeca mostrou que pode seguir na trilha das conquistas, ao novamente fazer história, ficando com o ouro no salto e a prata nas barras, no Mundial de Kitakyushu, também no Japão. Desde o fim da Olimpíada, ela descansou pouco.
“Depois de Tóquio, depois que cheguei ao Brasil, tive poucos dias de folga, só três na verdade para descansar um pouco, até a retomada dos treinamentos já pensando no Campeonato Brasileiro e no Mundial do Japão. No fim do ano eu tive duas semanas de férias e já comecei o ano a todo vapor, treinando”, conta.
TEMA DA SORTE
A ginasta parece não ter pressa em buscar um outro tema para suas apresentações no solo e na individual geral. O funk “Baile de Favela”, complementado por trechos da obra “Tocata e Fuga”, de Bach, foi uma espécie de talismã nos Jogos de Tóquio. A letra, também considerada machista por muitos, descreve a visão e os hábitos de uma parcela da população desfavorecida economicamente, contando também um pouco da história de um ambiente social que cercou a infância de Rebeca.
Por isso, é possível que, ainda em 2022, ela continue a disputar as provas nos embalos desta música. Alguma troca de tema deve ocorrer somente no ano que vem. “Ainda não conversamos sobre isso (novo tema). Eu realmente não sei, mas não chegou a hora ainda de decidir isso, ainda posso me apresentar com o ‘Baile de Favela’ esse ano”, disse.