TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – James Nyang Chiengjiek, 23, ficou tanto tempo ajoelhado, inconsolável, que uma funcionária das Olimpíadas se aproximou para ver se ele estava bem. Era preciso também colocar as marcações das eliminatórias seguintes dos 800 m no Estádio Olímpico, já atrasadas. O show tem de continuar.
Chiengjiek não deu atenção. Ficou de cócoras, mãos na cabeça, que estava encostada na pista, a não acreditar. O garoto nascido no Sudão do Sul, nação criada em 2011, fugiu de uma guerra civil que matou dois milhões de pessoas e fez outras quatro milhões se tornarem refugiadas. Uma delas foi o próprio atleta que correu na noite desta sexta-feira (30, no horário de Brasília).
Após a primeira curva, quando os competidores deixam suas raias e ficam embolados numa mesma área da pista, Chiengjiek tropeçou e caiu. O vencedor da qualificatória, com 1m45s53, foi o americano Clayton Murphy. Com 2m02s04, o sudanês do sul, que defende o time de refugiados nos Jogos, foi o último. Quando cruzou a linha de chegada, foi aplaudido por uns poucos jornalistas presentes e voluntários.
Enquanto Murphy conversava com a imprensa de seu país, dizendo o quanto era importante, no atletismo, se divertir enquanto corre, Chiengjiek estava em um canto, a ouvir conselhos de uma voluntária da equipe de refugiados. Ela pediu uma toalha para o atleta enxugar o suor e fez gesto com as mãos espalmadas para baixo, a pedir que ele se acalmasse.
“O começo da prova foi bom, mas alguém me acertou por trás. Não consegui me equilibrar. Esta é a maior decepção da minha vida”, afirmou ele à Folha depois da prova, antes de desabar no choro e enxugar as lágrimas com a mesma toalha com a qual havia secado o suor. Chiengjiek correu os 400 m na Rio-2016 e foi eliminado na primeira classificatória. Trocou para os 800 m por pensar que as chances eram maiores.
“Durante todos os dias eu treinei muito para estar aqui, estava em boa forma. Estava pronto. Muita gente [refugiados] contava comigo. Queria fazer algo importante para chamar a atenção para a situação de milhões de pessoas”, completou.
O pai do corredor era soldado e morreu durante a guerra civil, quando Chiengjiek tinha um ano. Fugiu do país aos 13 devido ao risco de ser sequestrado por milícias e obrigado a se tornar soldado. Em um campo de refugiados no Quênia, começou a correr porque se sentia livre. Mas não ter o calçado certo lhe causava muitas feridas nos pés. “Nós trocávamos os tênis. Se alguém tinha um pé bom, passava para o outro, que só tinha o outro e formava um par. Nós nos ajudávamos”, disse ao site globalcitzen.org, em 2016.
Chiengjiek deixou a pista com a perna direita mancando, a mesma que sofreu a trombada que o derrubou. Tinha uma ferida no ombro. Só a percebeu depois de cruzar a linha final. Mas não era aquilo que o machucou de verdade no Estádio Olímpico de Tóquio.
“Eu lamento muito. Peço desculpas à minha família, a todas as pessoas que acreditaram em mim e me ajudaram a chegar aqui. Sinto muito por tudo”, afirmou, antes de chorar de forma incontrolável e balançar afirmativamente com a cabeça à pergunta “você quer ir embora?”, da voluntária do time de refugiados.
Na biografia dos atletas preparada pela organização das Olimpíadas, no campo referente à sua maior ambição, o sudanês escreveu: competir na Tóquio-2020.