SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Agressões físicas, xingamentos e sabotagens são alguns dos obstáculos que o preconceito já criou para os skatistas, que hoje têm nas pistas da cidade de São Paulo um refúgio.
Quem se lembra do funk “Baile de Favela”, que recentemente voltou aos holofotes graças à ginasta Rebeca Andrade, talvez conheça o citado Jardim Elisa Maria. Na zona norte da capital, é o bairro onde fica a Pista do Pastão, dentro da praça Sete Jovens.
O nome da praça homenageia os sete assassinados na região em 2007, durante uma chacina de autoria de um grupo de extermínio formado por policiais militares. O próprio local foi palco de outra chacina, em 2014, com mais cinco mortos.
A Folha de S.Paulo visitou o espaço na semana passada. Fica ao lado de uma escola municipal e no pé do morro cortado pelo escadão Olga Benário. Lá, além da pista de skate, também há um campo de futebol society e uma quadra de basquete.
“É a gente que reforma tudo aqui. Esta bordinha foi a gente que fez, esta rampinha também. Aquele corrimão quebrou. A gente comprou outro, fez o buraco, cimentou, chumbou. Basicamente, é a gente que cuida daqui”, diz o skatista Pedro, 17.
A pista tem buracos e rachaduras. Os skatistas os usam como obstáculos para suas manobras, mas alertam para o perigo de lesões. É o conhecimento de quem tem o local praticamente como uma segunda casa, que os protege de outros obstáculos.
“Aqui ninguém mexe com a gente, porque só tem skatista. Se mexer, já vem o bonde todo. Mas, na rua, você está sozinho, e os caras, dentro do carro. Aí é outra fita”, diz Mateus, 19.
Os dois, o amigo Vinícius e um quarto colega (que não quis se identificar, pois estava ali escondido da mãe) relatam as diversas faces do preconceito que já viveram: uma moto que passou por cima do shape de um para quebrá-lo, um taxista que tentou acertar outro deles com o carro, ou ainda o que quase se arrebentou no chão após um homem tentar derrubá-lo colocando o pé na frente de seu skate.
Com a popularização da prática e também após as Olimpíadas, dizem, os trajetos até a pista têm sido mais tranquilos. Pedro lembra que recentemente passou andando em frente a policiais e estranhou a reação: “Em outros tempos, só com o skate embaixo do braço, os caras já embaçavam”.
Análise semelhante faz Roberto, 22, que mais cedo no mesmo dia andava com amigos na Pista do Bosque, ou das Amoras, na zona leste da capital.
Como a pandemia impede que ele viaje durante suas férias, tem ido diariamente à pista. Gostaria de ver ali um bowl e uma mini rampa, mas comemora a existência do espaço.
“Antes tinha um poste meio abandonado na [avenida] Anhaia Mello, mas a gente tinha que construir os próprios obstáculos, os corrimãos. Já chegou cara querendo bater na gente lá, acontecia direto, na rua também. Aqui na pista é tranquilo, é todo o mundo parceiro”, conta.
As pistas do Pastão e das Amoras ficam, respectivamente, a 8,5 km e 10,3 km de um dos picos mais simbólicos para o skate paulistano, a praça Roosevelt.
A reportagem da Folha visitou 14 pistas da cidade, em todas as regiões, inclusive a Roosevelt. Para os que nela estão, é um símbolo da ocupação dos espaços pelos skatistas. Foram eles que fizeram da praça uma pista, dizem, muito antes das reformas adaptarem alguns pontos para a prática.
Até hoje os grupos por ali ocupam todo o seu espaço para andar de skate, independentemente de o corrimão ser feito ou não para manobras. Para eles, vale a máxima “a praça é nossa”.
Se já foi proibida em São Paulo, a prática hoje se consolida cada vez mais como um forte mercado na cidade. A prefeitura pretende vender os “naming rights” do Parque de Esportes Radicais, no Bom Retiro.
O espaço tem pistas de skate street, park, ciclismo BMX e outros. Por lá, a molecada mostra que o que foi visto nas Olimpíadas é reflexo de uma cultura. Todos compartilham os espaços, incentivando os companheiros, comemorando as manobras alheias e trocando dicas de como melhorar.
O edital da prefeitura prevê a cessão do nome do parque por cinco anos à iniciativa privada, com pagamento de pelo menos R$ 1,05 milhão a cada ano -a empresa que ofertar o maior valor vencerá a concorrência.
Há, porém, aqueles que alertam para perigos de iniciativas meramente mercadológicas.
“A gente precisa de entidades do skate que cuidem do skate, não pensem só no retorno financeiro que o skate pode dar. Faltam projetos para unir a molecada da periferia, marcas que doem skates para quem precisa. Depois podemos pensar em construir mais pistas”, diz Fabrício Thor, 38, que dá aulas para crianças na pista do Chuvisco, na zona sul da cidade.
Mesmo com a chuva da última segunda-feira (17), a pista era utilizada. Isso porque parte dela, uma das melhores que a Folha de S.Paulo visitou, fica sob um viaduto.
Mais tarde no mesmo dia, a tradicional pista do Zilda Natel (localizada ao lado do cemitério do Araçá, na zona oeste da capital) já estava seca e era usada por crianças, seus pais e até cachorros.
Pessoas ali relataram que desde os Jogos houve um evidente aumento no uso do local, principalmente de crianças, com destaque para meninas inspiradas pela medalhista de prata Rayssa Leal.
As duas funcionárias também faziam rígido monitoramento das regras sanitárias da pandemia, não permitindo a permanência de ninguém sem uma máscara no rosto.
O comportamento, no entanto, foi exceção nas pistas pelas quais a reportagem passou. Fizesse chuva ou sol, fosse dia ou noite, raríssimas foram as vezes em que os skatistas, arriscando manobra, descansando ou conversando, utilizavam o acessório.