SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Trinta e cinco pessoas morreram em dois atentados terroristas coordenados para acontecerem quase ao mesmo tempo em uma estação de metrô e um aeroporto de Bruxelas, em março de 2016. A ação de três homens-bomba do Estado Islâmico deixou cerca de 340 pessoas feridas, 62 delas gravemente. Nesta lista, estava uma garota de então 17 anos, Beatrice De Lavalette, que viajava para passar as férias com a família nos Estados Unidos.
A jovem norte-americana não sabia, mas estava sentada ao lado de um dos suicidas recrutados para vingar a atuação da polícia da Bélgica na operação contra o grupo que havia promovido outros ataques terroristas em Paris, na França, um ano antes. Ela falava com o irmão pelo celular e ouvia música, ansiosa pela viagem, quando sentiu o impacto da bomba repleta de pregos, feita para matar.
Quando se deu conta, estava com o corpo em chamas. Mas teve forças e o instinto para levantar a mão e ser vista por uma das primeiras pessoas a prestarem socorro, que usava um extintor de incêndio. O fogo em seu corpo foi apagado, mas sua situação era tão grave que ela foi marcada para ser uma das últimas a serem socorridas e transportadas, um procedimento padrão em situações assim, que visa priorizar as vidas mais prováveis de serem salvas.
De Lavalette foi atendida por um bombeiro, socorrida, e levada a um hospital, com queimaduras de segundo a terceiro graus e uma lesão na medula espinhal. Por causa dos ferimentos, suas duas pernas foram amputadas. Ela permaneceu um longo período em coma e, depois, na UTI. Até que recebeu a visita do embaixador dos Estados Unidos na Bélgica e teve uma conversa que começaria a mudar sua vida.
“Estávamos apenas conversando e brincando. E ele mencionou que as Olimpíadas estavam acontecendo no Rio naquele momento e como seria legal para mim estar em Tóquio para a próxima. Mas eu realmente não pensei muito nisso”, contou. Depois, porém, passou a considerar a ideia.
Ela já participava de competições de adestramento clássico, disputado nos Jogos Olímpicos, e era apaixonada por hipismo. A ponto de sua mãe dar um jeito de levar seu cavalo, Delegada X, até o estacionamento do hospital em Bruxelas, só para que ela pudesse vê-lo de longe e, de alguma forma, matar as saudades. “Aquele momento me fez decidir que não desistiria da vida”, afirmou em recente entrevista.
O hipismo é regularmente usado na recuperação motora de pessoas com deficiência física, e para De Lavalette voltar a uma sela de cavalo acabou sendo seu destino natural. Em setembro de 2016, logo depois de sair do hospital, ela já estava novamente na escola de equitação e, em abril de 2017, fazia sua estreia no adestramento paralímpico.
No mesmo ano, assistiu pela primeira vez às imagens do atentado, parte do processo para superar psicologicamente aquele trauma. “Foi muito importante vê-lo porque eu não sabia ou percebia o quão perto realmente estava do homem-bomba. Então, para mim, me ver literalmente parada de pé bem ao lado do cara e, momentos depois, a bomba explodindo, foi um pouco da compreensão de como eu realmente sou sortuda”, disse à CNN americana.
Aos 22 anos, ela faz em Tóquio sua estreia em Paralimpíadas. Competindo entre atletas de grau II de deficiência física (os números mais baixos indicam maiores restrições de mobilidade), De Lavalette já foi quinta colocada na prova individual. A norte-americana volta a competir amanhã (30), às 19h47, na apresentação livre, que também vale medalha.