Quando cruzou o Atlântico para substituir Vanderlei Luxemburgo, um dos maiores técnicos da história do Palmeiras, Abel não sabia o que era levantar uma taça. Havia feito bons trabalhos em clubes pequenos da Europa, o Braga, de Portugal, e o Paok, da Grécia. Sua realidade mudou totalmente em São Paulo. Em um ano e cinco meses, ele ostenta, agora com o título estadual, cinco troféus em nove finais disputadas. Tornou-se o técnico mais falado do País e também o mais valorizado financeiramente.
Abel ganhou a Copa do Brasil, duas vezes a Libertadores, a Recopa Sul-Americana e, agora, o Paulistão. Com isso, se transformou no primeiro técnico da história do Palmeiras a colecionar pelo menos um título de campeonato estadual, um de campeonato nacional e um de campeonato internacional.
Antes de a bola rolar para o Choque-Rei histórico no Allianz Parque, ele foi homenageado pela torcida por meio de um mosaico em que apareceu com o seu gesto mais famoso, com os dedos nas têmporas. Em baixo, se lia “cabeça fria, coração quente”, frase que virou mantra do “abelismo”.
MAIS PERTO DE FELIPÃO
A conquista do Paulistão deixa o português mais próximo entre os técnicos mais vitoriosos da história palmeirense. É o quarto do ranking, agora mais perto do amigo Felipão, o terceiro. Oswaldo Brandão é o segundo da lista, liderada por Vanderlei Luxemburgo, com oito troféus.
Além disso, o português passou a ser o primeiro técnico estrangeiro campeão do Estadual desde o húngaro Bela Guttmann, do São Paulo, em 1957. Levando em conta apenas o Palmeiras, o feito se torna ainda mais raro: o último treinador estrangeiro campeão paulista havia sido o uruguaio Ventura Cambon, em 1950, e o último europeu, o italiano Caetano De Domenico, em 1940.
O treinador já tem 113 jogos no comando do Palmeiras. São 64 vitórias, 28 derrotas e 21 empates. Nesse período, sob o seu comando, o time marcou 176 gols e sofreu 93.
Caso cumpra o novo contrato até o final, Abel se tornará também o técnico com maior longevidade no comando alviverde. O atual recordista no quesito é Brandão, com três anos e oito meses consecutivos entre novembro de 1971 e julho de 1975.
MANTRAS E FILOSOFIA
Natural da pequena Penafiel, Abel Fernando Moreira Ferreira, 43 anos, cunhou o “todos somos um”, gritou a plenos pulmões o “Avanti, Palestra” e com um gesto simples – os dedos nas têmporas – fez seus jogadores entenderem que para ser campeão é preciso “cabeça fria e coração quente”. E isso foi bastante necessário para reverter a desvantagem diante do São Paulo no Allianz Parque neste domingo e ver seu time protagonizar uma remontada histórica. Sua equipe havia tido uma exibição irreconhecível no Morumbi, mas em casa voltou a ser o Palmeiras com o qual os torcedores estão acostumados.
Luiz Felipe Scolari, torcedores e outros personagens ligados ao Palmeiras consideram o português o maior que treinou o clube em seus 107 anos de histórias. Pela filosofia, pela transformação dos atletas, pela inteligência, pelo legado e pelos títulos, claro. Nenhum outro treinador conquistou duas Libertadores pelo clube.
“Falo de coração: Abel é o maior treinador que o Palmeiras já teve em todas as épocas”, opinou Felipão à Band. “Conseguiu os títulos, conseguiu fazer com que esses jogadores trabalhassem pelo clube com alegria, com satisfação e pensamento pelo Palmeiras que, quem sabe, nós não conseguimos passar”, justificou.
“Ele (Felipão) gosta de mim, por isso que disse isso. Temos uma relação muito boa, foi uma pessoa espetacular comigo”, ponderou o técnico, que foi convocado em 2008 por Felipão para defender a seleção portuguesa.
Mas Abel se distancia desse rótulo. Fala sempre que julga oportuno que um dos problemas do futebol brasileiro é buscar heróis e vilões. E que ele é apenas mais um dentro da estrutura, da engrenagem. “Vocês nunca vão me ouvir falar ‘eu ganhei ou perdi’. Nós ganhamos ou perdemos. O futebol, para mim, me fez ver as coisas de forma plural, humana, entreajuda, solidariedade. Temos de ser exemplo”, explicou.
Abel, um português inquieto, exigente e estudioso, vive o futebol desde os seus oito anos. Foi um lateral-direito de bom nível, esforçado, cuja carreira terminou cedo, aos 31 anos. Também atuou analisando o jogo por trás das telas, como comentaria da Sport TV, emissora esportiva de televisão de Portugal. A trajetória como técnico completa uma década neste ano. Foram cinco na base e já são cinco à frente dos times profissionais.
PREFERE SER DAVI A GOLIAS
Quando criança, escolhia no jogo de computador Football Manager times menores, sem craques, para derrotar os grandes. Faz parte da sua personalidade e de como foi forjado, aprendendo a “fazer mais com menos”, como diz. “A minha carreira foi feita com muito trabalho, não sou filho de nenhum príncipe, não tive ajuda de empresário e nem como treinador não comecei em um clube de elite”, sublinha.
“Sempre gostei de treinar equipes mais humildes, porque cresci assim. É o que procuro fazer na vida e o que passo aos meus jogadores. Quando queremos muito uma coisa, é possível”, acredita. Com os atletas, não faz o estilo “paizão”. Mas é correto e busca protegê-los. Se algum deles erra, evita condená-lo, mas não o acoberta. Gosta de seriedade em seu trabalho. Até por isso cortou atletas jovens que vinham agindo sem o comprometimento necessário.
A forma como vê o mundo reflete em seu trabalho, afinal o futebol é indissociável da sociedade. O Palmeiras em campo espelha a postura de Abel. Joga como quer o treinador. É maduro, obediente taticamente e inteligente. Os atletas jogam de forma coletiva. Por isso que esse time se tornou tão forte. Não há espaço para individualismos. O técnico tem um controle do grupo de forma até rara de ser.
Ele não tem um estilo de jogo definido. Gosta de adaptar suas estratégias de acordo com os atletas que têm disponíveis e os adversários. É um camaleão, como o próprio definiu. Suas ideias de jogo se baseiam em vários trabalhos, inclusive pelo Brasil pentacampeão do mundo em 2002, comandado por Felipão.
“Podemos jogar em mil e um sistemas. O mais importante é que os jogadores saibam quais os comportamentos que eles devem ter com e sem a bola”.
Após o bi da Libertadores, disse que faria uma reflexão para entender se deveria continuar seu trabalho. Descansou e topou seguir no cargo. Recebeu uma valorização salarial e hoje é o técnico mais bem pago da América do Sul. Também é um sujeito mais feliz porque a mulher e as duas filhas vieram morar no Brasil.