Em seu álbum Let It Bed, lançado em 2004, Arnaldo Baptista escreveu o manifesto: to burn or not to burn. What is the question? What? What?. Era um questionamento pelo o fim do que ele chama de “era do fogo” em busca de energias menos poluentes – bandeira que ele levanta desde seu celebrado álbum Loki?, de 1974 e desde os anos 1990 em seu trabalho como artista plástico.
A faixa To Burn or Not to Burn, à época produzida pelo músico John Ulhoa (Pato Fu), ganhou, em 2011, 12 versões feitas por nomes de destaque da cena eletrônica paulistana, entre eles, Holocaos, Magal, Glocal, Renato Poletto e Ricardo Koji. Agora, acrescida de mais quatro versões, realizadas pelos artistas Tata Ogan, DJ Mari Rossi, Galiza e Renato Ratier, elas se juntam em um relançamento no álbum digital homônimo, que chegou às plataformas na sexta-feira, 18.
Em um bate-papo descontraído com o Estadão, Baptista, por telefone, de sua casa em Juiz de Fora, Minas Gerais, falou sobre suas impressões em relação aos remixes, da ideia do manifesto e, claro, de Os Mutantes, a lendária banda da qual fez parte entre 1967 e 1973, ao lado de Rita Lee e Sérgio Dias.
Os remixes seguem caminhos diferentes. São de fato, coautorias, pois os DJs são sempre muito criativos. Como se sente ao ver uma de suas obras recriadas dessa maneira?
Eles influenciam bastante na música, em execuções perfeitas. Sinto uma impotência de superá-los. Eles são muito bons. Vão por um sentido totalmente diferente daquele que eu ousaria – algo até meio estapafúrdio. A Janis Joplin gravava com uma máquina de escrever atrás (no estúdio). Eles usam esses elementos de maneira espacial. Eu gosto.
Quando você lançou essa faixa, disse que estava mostrando seu lado baixista. Fale um pouco dele…
Antes de Os Mutantes, eu tinha uma banda instrumental, a Wooden Faces, na qual tocávamos twist. Nela, eu usava um contrabaixo Del Vecchio. Foi nela que eu fiz evoluir meu lado de contrabaixista, paralelo à guitarra, tentando encontrar uma conexão com a bateria. Nesse álbum, retomei o contrabaixo de antes, buscando a performance e um novo tipo de som.
As masterizações e remasterizações dos remixes foram feitas respeitando sua preferência por equipamentos analógicos. Por que essa predileção pelo som com essa característica?
Há coisas impossíveis de se descrever. Eu prefiro o amplificador valvulado. Talvez ninguém vá entender isso. Quando eu pego uma guitarra e ligo no amplificador valvulado, o som fica aveludado. Já no axial, por exemplo, o som fica “sem recheio”. Algo mediano, insípido, sem uma boa distorção.
Ao relançar e acrescentar novas remixes da faixa To Burn or Not to Burn, você, de certa maneira, revive o manifesto contido nessa música e nos poemas visuais que fez em torno do tema. Como ele soa atualmente, depois de vinte anos?
Jimi Hendrix, no seu LP Axis (Bold as Love, de 1967), fala que a Terra passa por uma maldição na qual todo homem queima tudo o que quiser, mais do que o necessário. Eu não sei quem mandou essa maldição, mas Hendrix falou que ela existe. Nessas duas décadas (desde o lançamento da faixa), nada mudou. Continuamos no caminho errado.
Esse manifesto pelo “fim da era do fogo”, fala sobre a busca de energias alternativas e limpas, que não o petróleo, por exemplo. Quais as soluções você enxerga para essa questão?
Uma delas é a energia eólica. Outra, é a energia solar. Inclusive, na Fórmula E (corrida com carros elétricos), a minha sugestão é colocar células fotovoltaicas nos carros e a bateria ser carregada durante a própria corrida.
Não podemos deixar de falar de Os Mutantes. A música que vocês produziram continua ressoando mundo afora, atraindo novos admirados, sempre muito jovens, talvez como nenhuma outra banda brasileira. Qual seu sentimento sobre isso?
Na época que fizemos essas músicas, muita gente foi contra. Diziam que era muito rock’n ‘roll. E veja o que aconteceu…Nesse aspecto, Os Mutantes parecem um pouco com o Yes (banda britânica). Uma vez falei ao tecladista da banda (Patrick Moraz): eu adoraria estar no seu lugar. Ele me respondeu: é algo horrível. Muitas vezes tenho que tocar teclado em músicas que nem fui eu que gravei.
Recentemente, você mostrou em suas redes sociais três quadros que fez sobre a Tropicália. Os Mutantes estavam lá, quando o movimento eclodiu. Acha que a Tropicália teria sido diferente sem o grupo?
Sim, teria. Os Mutantes trouxeram mais o contrabaixo pesado enquanto Beat Boys (grupo formado por músicos argentinos que acompanhou Caetano Veloso em Alegria, Alegria) era mais guitarra.
Esse período de isolamento imposto pela pandemia, de, apesar do medo, uma certa desaceleração do mundo, lhe inspirou de alguma maneira? Além de cuidar do álbum de remix, se sentiu motivado para compor, por exemplo?
Me inspirou para as artes plásticas. O meu lado pintor, que na época de Os Mutantes não era revelado. Além disso, eu tenho um estúdio em casa. Estou fazendo um som estereofônico (um som mais espacial). Mas sinto que meu estúdio, que é enorme, não é o suficientemente grande para isso. Então, estou vendo um jeito de improvisar para que as coisas se harmonizem do jeito que eu quero.
Você tem intenção de lançar um novo disco?
Isso é importantíssimo de se falar. Parece que há uma maldição… O dinheiro que eu receberia para fazer o disco, perdeu-se em um acidente de carro (o produtor responsável morreu e o dinheiro, oriundo de um edital, entrou em inventário). Estou à espera de financiamento para conseguir fazê-lo (assessoria do cantor diz que Esphera está 70% pronto).