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Lazer e CulturaDaniel Galera faz leitor rever eleição de Bolsonaro com o coração na mão

Daniel Galera faz leitor rever eleição de Bolsonaro com o coração na mão

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Saudado como um hábil narrador realista, com uma dicção afinada com estes tempos digitais, mas reconhecível como parte da longa tradição do romance que pensa o presente desde uns 300 anos, Daniel Galera oferece ao público um volume com três novelas.

Ainda bastante jovem, ele já tinha encontrado um tom, um horizonte temático e um âmbito ético marcantes e discerníveis na paisagem literária brasileira. Aqui, dá um passo em outra direção.

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São três novelas, com distintos graus de acerto. A menos bem sucedida é a terceira, “Bugônia”, um relato de fantasia (a antiga “ficção científica”) organizado em torno de um lugar, o Topo, resto de um mundo escassamente vivível depois de sabe-se lá qual apocalipse.

As personagens não alcançam nitidez, e nem mesmo seus nomes indicam qualquer sentido aproveitável -Chama, a Velha, Alfredo, Boloto, Tão, Sereia, depois um astronauta extraviado, todos entram e saem de cena meio difusamente, numa trama que alega posicionar-se nos confins imagináveis de um futuro distópico, mas que não move a engrenagem elementar da ficção. O leitor continua precisando entender qual é o centro do conflito, avaliar o que está em jogo, identificar-se com algum dos atores, para ocorrer a velha mágica da arte.

A segunda novela, “Tóquio”, alcança esses requisitos apenas em seu terço final. Também uma narrativa de fantasia, numa São Paulo de algumas décadas à nossa frente, com previsível cenário de destruição ambiental e dificuldades de sobrevivência, a novela começa numa sessão de psicoterapia coletiva em que vários humanos comparecem para entender o preço de conviverem cada um com sua pupa, uma por assim dizer embalagem, muito variada em formato, que carrega a rede neuronal de um ente finado tal como ela foi escaneada, antes do desaparecimento de seu portador.

Nisso se passam dezenas de páginas, de boa nitidez realista: as novidades, seres, construções, situações, por esquisitas que sejam, são designadas e descritas com a conhecida habilidade do autor, de forma que o leitor as percebe, as entende, as revive imaginariamente, como convém.

Dá para adivinhar um grande filme a partir da história, com muitos efeitos digitais. Mas ainda não há excelência narrativa, a não ser na parte final, em que o protagonista precisa enfrentar a aspereza fria de sua finada (e escaneada) mãe e a força emocional de sua ex-namorada.

A primeira narrativa, “O Deus das Avencas”, a mais bem-sucedida das três, é grande ficção. O enredo tem a força das ideias simples: um casal está vivendo os derradeiros dias de uma gravidez, na Porto Alegre de agora. Há adequados flashbacks para dar tutano às trajetórias, em linguagem perfeita no vocabulário e na sintaxe. A novela é um perfeito artefato literário.

O desfecho dessa espera ocorre num dia de eleição, a mais recente corrida presidencial, que o leitor, certamente alguém desconforme com a realidade do Planalto desde então, acompanha e avalia retrospectivamente com o coração na mão e o cérebro em desconsolo.

O desfecho é uma prova da excelência do autor, num metiê que tem ar de simplicidade mas que poucos conseguem praticar com qualidade realmente alta como aqui.

O DEUS DAS AVENCAS

Avaliação: muito bom

Preço: R$ 54,90 (248 págs.); R$ 34,90 (ebook)

Autor: Daniel Galera

Editora: Companhia das Letras

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