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Lazer e CulturaFilme rejeita romantização do Bexiga, em São Paulo, ao mostrar dia a dia de cortiço

Filme rejeita romantização do Bexiga, em São Paulo, ao mostrar dia a dia de cortiço

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – André Meirelles Collazzo lembra de passear pelo Bexiga, na região central de São Paulo, desde muito cedo. Como o avô havia nascido na Itália, as tradicionais cantinas da região tornaram-se frequentes em sua vida. Mas essa visão italianíssima, romantizada do bairro, que muitos paulistanos têm, foi se esvaindo conforme o cineasta crescia.

Foi também no Bexiga que ele foi trabalhar, como assistente de direção no Estúdio Nova Dança e depois com seu próprio espaço de pesquisa teatral e cinematográfica, o Maquinaria. No dia a dia, conheceu figuras da região que o inspiraram em seu primeiro longa como diretor, “Helen”, que estreia nesta quinta (17).

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O filme abandona o verniz italiano da região e mostra suas verdadeiras raízes, negras, e sua vocação atual —a de morada para migrantes nordestinos que vieram a São Paulo em busca de trabalho. Tudo isso pelo olhar inocente da personagem-título, uma menina de nove anos criada pela avó.

A atriz paraibana Marcélia Cartaxo é quem dá vida a dona Graça, moradora de um dos vários cortiços do Bexiga. Ela administra informalmente o local para o dono do imóvel e, à noite, vende churrasquinho na calçada. O filme abre com uma geladeira chegando ao seu quartinho, parcelada em intermináveis prestações para substituir o velho e carcomido refrigerador que armazenava as carnes que ela põe na grelha.

“Helen” não é um filme que fala de forma genérica e impessoal sobre os tipos da região. A menina Helen realmente existe, bem como sua avó. A relação das duas captou a atenção de Collazzo enquanto ele, que hoje mora em Portugal, trabalhava por ali, e o motivou a criar uma ficção a partir das vivências reais da dupla.

“Eu já fui para a Itália e não tem nada lá como o Bexiga. Parece que o bairro segue uma tradição inventada. Mas ele também é muito mais complexo do que achamos, e quando decidi fazer esse filme, queria contar a história de quem, de fato, ocupa aquele lugar”, diz o cineasta.

O Bexiga de “Helen” é habitado por gente muito simples, e a miséria se mostra onipresente conforme acompanhamos a menina em seu plano de juntar dinheiro para comprar um kit de maquiagem para a avó. Seu sono é atrapalhado por casais aos berros, enquanto a violência e o assédio estão sempre à espreita naquele ambiente de gente aglomerada e abandonada.

Hoje com 19 anos e dona de uma clínica de estética, a Helen da vida real é uma exceção. Collazzo conta que as amigas da moça ou foram cooptadas pelo tráfico, ou ficaram grávidas muito cedo, ou fugiram dali, em busca de uma vida melhor. O Bexiga é habitado por crianças de enorme potencial, diz ele, que infelizmente se deparam com uma barreira social quase intransponível.

“Minha maior intenção era falar das crianças de lá, da realidade de uma criança naquele espaço. Elas têm sonhos que estão sendo destruídos. A Helen é uma menina que ainda não foi vencida, que olha para aquele lugar como um espaço de passagem. E, na vida real, ela consegue vencer essa barreira por causa da avó”, diz Collazzo.

Para tentar não apenas retratar com autenticidade essas histórias, mas também dar oportunidade para quem mora ali, o cineasta escalou os habitantes do Bexiga como figurantes, desenvolveu projetos com as crianças da região e escolheu, para o papel da personagem-título, Thalita Machado do Nascimento, cria do Bexiga.

Selecionada depois de um longo processo com cerca de 300 meninas, ela também está imersa naquela realidade precária. Por isso, nunca fez aulas de teatro, mas carrega o filme com leveza e facilidade que espantam.

Ao ver uma foto da menina que havia sido escolhida para interpretá-la, a Helen da vida real chorou. Apesar de não estar presente em nenhum cargo da produção, ela ajudou Collazzo durante todo o processo de escrita do roteiro, orientando e dando permissão para que situações que realmente viveu aparecessem em cena.

Em uma delas, que o próprio cineasta chegou a testemunhar há alguns anos, fiscais da prefeitura surpreendem a personagem de Cartaxo e, abruptamente, levam embora a grelha que ela usa para conseguir uma renda extra. Aos gritos, ela implora q ue a deixem ficar com o item, que apesar de tão simples, para ela significa muito.

São esses contrastes entre os sonhos e a inocência de Helen e a realidade instável da qual sua avó tenta blindá-la que guiam o filme homônimo. Atrasado pela pandemia, ele chega agora ao público num momento em que o país vê saltar sua taxa de pobreza extrema.

Peça fundamental na trama, o cortiço onde as personagens habitam fez com que Collazzo revisitasse a magnum opus de Aluísio Azevedo —menos em busca de influência e mais para atestar que o cortiço-personagem do livro de 1890 continua vivo no Brasil de hoje.

HELEN

Quando Em cartaz

Classificação 14 anos

Elenco Thalita Machado do Nascimento, Marcélia Cartaxo e Tony Tornado

Produção Brasil, 2020

Direção André Meirelles Collazzo

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