Em um depoimento dado ao produtor e compositor Ronaldo Bôscoli, publicado na extinta revista Manchete em 1977, a cantora Gal Costa disse: “Minha boca é minha cortina”. Esse texto está reproduzido na fotobiografia Gal Costa, que foi lançada nesta semana.
Gal, na ocasião, antes de lançar mão dessa metáfora, falava do contorno de seus lábios que até hoje ela mesma faz questão de pintar cuidadosamente, mesmo quando tem um maquiador à disposição, reforçando algo que virou sua marca. Tão forte que o formato de sua boca virou um desenho estampado no fundo da piscina de sua casa no Rio de Janeiro, na qual viveu do final dos anos 1970 até metade da década de 1980. Época de desbunde.
Organizado pelo jornalista e produtor musical Marcus Preto, pelo poeta e designer Omar Salomão e pelo crítico musical Leonardo Lichote, o livro destaca justamente o que Gal foi – e ainda é – capaz de fazer quando deixa cair esse pano. Reservada na vida íntima e de poucas palavras, Gal sempre se mostrou por meio de seu canto. Foi assim que ajudou a promover verdadeiras revoluções na música brasileira, reinventou-se inúmeras vezes e formou uma geração de cantoras.
Integrando textos antigos com outros escritos especialmente para a publicação, o livro, dessa maneira, se impõe como a primeira biografia (musical) da cantora. “Queríamos algo pop, assim como a Gal é. O visual também vai para esse lado. O assunto é ela na música. Não há divagação sobre outros temas ou grandes ensaios”, afirma Preto.
Gal diz ao Estadão que não opinou sobre as escolhas dos organizadores. Viu o livro em PDF e deu o aval para que ele fosse publicado. “Achei muito bonito e não pedi para que nada fosse mudado. Está como eles me mostraram, tiveram toda a liberdade.” Preto confirma.
As imagens foram garimpadas em acervos de jornais, revistas e com fotógrafos em uma pesquisa conduzida por Arlindo Hartz e Renato Vieira – esse último, jornalista, assina três textos para o livro. A cantora conta que se surpreendeu com o resultado. “Vi que encontraram coisas diferentes, fotos que eu nunca tinha visto e nem me lembrava de ter tirado.”
Nas páginas do livro, estão, por exemplo, cliques do lendário show Fa-tal, de 1971, o encontro com João Gilberto e Caetano Veloso para um especial de TV, os Doces Bárbaros, a exuberância do show Tropical e encontros com amigos como Tom Jobim, Chico Buarque, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Rita Lee e Elis Regina.
De pessoal, apenas – bonitas – fotos feitas pela atriz Lúcia Veríssimo, amiga próxima nos anos 1980. Entre cliques de viagens, um topless em uma praia deserta. Do palco, duas capturas da cantora entregue à música no show Baby Gal, um de seus grandes êxitos. Gal não contribui com as fotos. O motivo é simples: ela não as guarda. “Me pediram e eu não tinha nada. Meu álbum de fotografias, atualmente, é meu Instagram. As fotos ficam todas ali, coisas novas e antigas.”
JUVENTUDE
Não à toa Gal cita as redes sociais. É por meio delas que ela se mantém próxima de um público que se renova desde que ela lançou o álbum Recanto, de 2011, com canções e produção de Caetano Veloso, depois de uma fase mais revisionista. “Nesse momento, Caetano parece dizer: Gal é fundamental, dita padrões estéticos. Foi um corte”, lembra Preto. Tudo isso está contemplado no livro, assim como a presença fundamental do compositor em diferentes e decisivos momentos da carreira de Gal.
Foi natural que ela, nos álbuns subsequentes, Estratosférica, A Pele do Futuro e Nenhuma Dor, se aproximasse também de novos artistas. Em setembro, ela se apresentará com Rubel e Tim Bernardes no Coala Festival. Em dezembro, canta com Silva na companhia da Brasil Jazz Sinfônica – os ingressos já estão esgotados.
Gal vê tudo isso com entusiasmo: “Cantar cura quem canta e quem escuta. A música é um bálsamo. Essa é a minha missão, nasci com ela. E as pessoas se conectaram com isso durante todos esses anos. Acho bonito porque muita gente jovem tem vindo aos meus shows dizer isso. A minha geração segue como uma referência importante para essa garotada”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.