SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um incêndio, já controlado, atingiu um depósito da Cinemateca Brasileira, na zona oeste de São Paulo, na noite desta quinta-feira (29). O prédio fica localizado na rua Othão, número 290, na Vila Leopoldina, e, segundo o Corpo de Bombeiros, não há vítimas. Cerca de 70 profissionais da corporação foram mobilizados para atuar no local.
O incêndio teria começado durante a manutenção, por parte de uma empresa terceirizada, no ar condiciado de uma sala no primeiro andar do imóvel. Ela e outra sala adjacente, que abrigam o acervo histórico de filmes da entidade, foram atingidas, bem como um terceiro ambiente dedicado a arquivos impressos. Um inquérito conduzido pela Delegacia da Polícia Federal determinará as causas exatas do incêndio.
Segundo a capitã Karina Paula Moreira, do Corpo de Bombeiros, estima-se que 400 m2 foram tomados pelas chamas. Ela também afirma que não há como saber, por enquanto, o que foi queimado e o que foi preservado. De acordo com a Defesa Civil, as labaredas atingiram cerca de seis metros de altura.
O prédio em questão não é a sede principal da Cinemateca, que fica na Vila Clementino, na zona sul da capital paulista. Mas o depósito atingido pelas chamas também abriga parte importante de seu acervo, como filmes de 35 mm e 16 mm, feitos de material altamente inflamável. Eles seriam cópias para exibição, não os rolos originais, que ficam em outro local.
Além deles, também ficam guardados ali o acervo da Programadora Brasil iniciativa do antigo Ministério da Cultura para exibição de conteúdo em circuitos não comerciais, equipamentos museológicos, como projetores antigos, e documentos, incluindo quatro toneladas de arquivos sobre políticas públicas para o audiovisual, recentemente transferidas do Rio de Janeiro. Os arquivos ainda incluem parte da documentação da Embrafilme e a totalidade daquele referente ao Instituto Nacional do Cinema e ao Conselho Nacional do Cinema.
As ruas nos arredores do imóvel foram interditadas e havia muita fumaça no local. Bombeiros chegaram a escalar o teto do edifício para controlar as chamas. Esta é a quinta vez que a entidade enfrenta um incêndio situação semelhante já havia ocorrido em 1957, 1969, 1982 e 2016. No ano passado, esse mesmo prédio foi atingido por uma enchente que danificou 113 mil cópias de DVDs.
O governador do Estado de São Paulo, João Doria, se manifestou sobre o ocorrido em suas redes sociais. “O incêndio na Cinemateca de São Paulo é um crime com a cultura do país. Desprezo pela arte e pela memória do Brasil dá nisso: a morte gradual da cultura nacional”, escreveu.
Paloma Rocha, cineasta e filha de Glauber Rocha, que acompanha a situação da Cinemateca, diz que essa é uma tragédia anunciada, já que a entidade estava sem técnicos monitorando seu acervo há pelo menos um ano, quando o governo federal demitiu funcionários dali após o fim do contrato de gestão que mantinha com a Acerp, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto.
“Isso está acontecendo desde que esse governo, que pensa que a Terra é plana, fechou o Ministério da Cultura, vilipendiou o dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual e deixou artistas e cineastas na míngua. Esses cafajestes não dão dinheiro para a Cinemateca, mas conseguem dinheiro para comprar Covaxin. É uma zona”, diz ela, que explicou que a obra de seu pai não está no galpão que pegou fogo.
Nas redes sociais, internautas têm cobrado um posicionamento de Regina Duarte, ex-secretária da Cultura de Jair Bolsonaro, que deixou o cargo com a promessa do presidente de que assumiria a direção da Cinemateca. A única publicação dela nas redes, até as primeiras horas do incêndio, foi uma resposta a uma homenagem feita por um fã-clube.
Mario Frias, atual ocupante do cargo deixado pela atriz, escreveu em suas redes que a Polícia Federal “irá tomar as devidas providências para verificar se o incêndio na Cinemateca foi criminoso ou não”. “Tenho compromisso com o acervo ali guardado, por isso mesmo quero entender o que aconteceu,” disse.
Principal instituição de preservação do audiovisual brasileiro, a Cinemateca está no meio de um imbróglio envolvendo o governo federal que se arrasta há anos e que se agravou nos últimos meses. O contrato que o governo tinha com a Acerp para administrar do local se encerrou em 2019 e, depois disso, funcionários foram demitidos e contas ficaram em atraso incluindo aí as de prestadoras de serviços de segurança e de manutenção do imóvel.
Hoje, de acordo com a ex-funcionária Fernanda Coelho, os serviços contratados são de manutenção predial, mas não aqueles que seriam responsáveis pelo monitoramento e preservação do acervo. “Esse ambiente se transformou numa câmara de envelhecimento. Numa cinemateca precisa ter técnico audiovisual, só que todos os que haviam aqui foram retirados no ano passado”, diz.
Justamente por isso, ainda não se sabe quem fará a avaliação sobre os danos tidos com o incêndio de agora.
Em julho do ano passado, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil contra a União devido aos impasses em torno da gestão da Cinemateca. Em maio deste ano, a Justiça Federal deu um prazo para que as autoridades provassem que estão trabalhando para garantir a preservação do acervo. Desde então, vistorias técnicas foram feitas no prédio principal da entidade, mas nenhuma informação sobre o estado no qual o acervo foi encontrado foi divulgada.