SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois de um longo período de ostracismo, com uma reforma que se estendeu por cinco anos somada a todos os efeitos da pandemia, e quase um ano sem direção, o MAM-BA, o Museu de Arte Moderna da Bahia, está conseguindo agora retomar o fôlego.
Pola Ribeiro, cineasta e gestor público, assumiu a direção do museu no início do ano e acaba de trazer o curador Daniel Rangel, 45, nascido em Salvador e radicado em São Paulo, para o conjunto arquitetônico riquíssimo, do século 18, às margens da baía de Todos os Santos. “O museu está todo reestruturado e precisando de vida”, afirma Rangel, que já tinha tido passagem por ali entre 2007 e 2008, como vice-diretor de Solange Farkas.
O casario do Solar do Unhão e o museu, um projeto da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi aberto em 1959, ganhou novo píer, um atracadouro para barcos de pequeno e médio porte e uma reserva técnica. Terá ainda um restaurante, a ser licitado.
A maior parte da reforma foi feita pelo arquiteto André Vainer, seguindo os passos de Bo Bardi. O atracadouro e o restaurante têm assinatura do arquiteto baiano Adriano Mascarenhas.
Pola Ribeiro reforça o interesse em reconectar o museu ao Recôncavo Baiano. “Salvador deu as costas para o Recôncavo, e isso empobrece nossa alma. Estamos dentro das águas da baía de Todos os Santos e agora vamos retomar essa via de mobilidade, podendo receber os barcos”, afirma o diretor.
O museu está sob a salvaguarda do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural, o Ipac. “Estou muito motivado, com a escuta ativa e buscando diálogo com instituições. O MAM abre muitas portas, está todo mundo empolgado e com os olhos brilhando.” O museu agora fará parte do circuito náutico de Salvador.
Segundo Ribeiro, o prédio do museu exige constante manutenção por ter a fachada voltada para o mar. “Quando está acabando a pintura, já tem que começar de novo. É uma labuta”, diz. A reforma do píer e a construção do atracadouro envolveram andaimes dentro do mar e mergulhadores trabalhando. Os gastos com a reforma são estimados em R$ 30 milhões.
Rangel, o novo curador, reafirma a vontade de reconectar o MAM-BA a Bo Bardi, que sempre buscou criar uma instituição inovadora, com escola e oficinas em que o saber popular e o acadêmico caminham juntos.
“André [Vainer] trabalhou com Lina. Ele tem o mesmo pensamento dela, os acabamentos sem luxo, os espaços pensados de forma lógica. A reserva técnica ficou um sonho de vida”, afirma ele.
Existem, contudo, críticas à reforma. O arquiteto carioca Francesco Perrotta-Bosch, autor de “Lina: Uma Biografia”, afirma que ela é “equivocada”. “Não o que foi feito pelo André Vainer, que é muito sério. Refiro-me ao atracadouro e ao restaurante, pois considero um desrespeito ao projeto original”, diz. “Entendo, porém, que os atuais gestores entraram com a reforma já feita, eles não tinham mais o que fazer.”
Perrotta-Bosch destaca a riqueza dos acervos de obras criados por Lina na Bahia. E é exatamente neste ponto que a curadoria vai apostar agora. Na primeira exposição que Rangel fará, intitulada “O Museu de Dona Lina”, ele apresenta uma fusão do acervo do MAM-BA com o do Arte Popular da Diretoria de Museus, formado pelo olhar de Bo Bardi.
“Farei o diálogo que ela propôs: a relação do Recôncavo e do sertão com a arte moderna e contemporânea, trazendo uma das vertentes do modernismo baiano. Ela sempre olhou para o regionalismo. Lina é uma pós-moderna.”
Rangel quer ocupar todos os espaços disponíveis do Solar do Unhão. Vai pôr “O Touro”, de Tarsila do Amaral, obra emblemática do movimento antropofágico já exibida no MoMA e no Masp, ao lado dos boizinhos de cerâmica do Mestre Vitalino, e passarinhos de Cândido Portinari ao lado das gaivotas de Aldemir Martins e de peças de Maxim Malhado, que trazem a expressão do interior da Bahia. Marinas de José Pancetti vão ao lado de uma instalação feita com pedaços de barco por Marcone Moreira –o artista tem um trabalho voltado para a memória de materiais gastos, como embarcações.
Rangel vai expor também carrancas de São Francisco. “A arte popular está dentro da arte moderna”, afirma. Serão cerca de 300 obras, entre pinturas, esculturas, objetos, utensílios. E também o filme “Barravento”, de Glauber Rocha.
Nas próximas exposições já planejadas, o curador vai continuar propondo um diálogo com o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, com três a quatro exposições longas, de três meses cada uma. “No modernismo, não existe apenas o antropofágico, existe o regionalista, o africano. O que vou propor são outros olhares sobre o movimento.”
Em outubro, está prevista uma mostra que pretende abrir o diálogo entre o acervo do museu e as raízes africanas, com nomes como Mestre Didi, Rubem Valentim, Ayrson Heráclito. “Somos berço de muita coisa”, diz Rangel.
Nessa retomada, o curador conseguiu doações importantes para o museu. Entre elas, um retrato de Lina Bo Bardi feito por Bob Wolfenson que vai integrar a mostra de agora. “Estamos renascendo”, diz.