Os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, confirmaram nesta terça-feira, 8, por unanimidade, decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que negou o pedido do espólio do músico João Gilberto para que a gravadora EMI devolvesse aos herdeiros os masters originais de suas canções. O colegiado entendeu que as gravações foram entregues à gravadora por meio de contrato válido.
Os ministros também consideraram que a gravadora tem o direito contratual de produzir novos discos de vinil com as canções originais, já que decisões anteriores da corte só impediram a empresa de reproduzir as obras de João Gilberto em outros formatos não previstos em contrato, como CDs. As informações foram divulgadas pela corte.
Relator do caso, o ministro Moura Ribeiro, considerou que em decisões anteriores sobre o caso, o STJ proibiu a confecção de novos CDs contendo a obra remasterizada sem autorização, sem obstar a venda de LPs com as canções originais do artista. O magistrado sustentou que a obra de João Gilberto está ‘vinculada à identidade e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira’ e assim constitui patrimônio cultural do País.
“O direito moral do autor, intangível e imprescritível, não pode suplantar o direito da sociedade de usufruir das manifestações das culturas populares tão caras a qualquer nação. Triste a cultura mundial se não pudesse desfrutar das obras de Mozart, Bach ou Villa-Lobos, gênios, qualificação em que também se insere o nome de João Gilberto”, ponderou.
Para o ministro, os registros originais das músicas são uma forma de apresentação do fonograma e assim ‘não seria razoável’ dizer que eles pertencem, necessariamente, ao autor da obra. Nessa linha, Ribeiro entendeu que ‘não há fundamento jurídico para afirmar que os direitos morais do autor teriam a capacidade de garantir a posse e a propriedade do meio físico no qual foi gravada a criação imaterial’.
“Se o compositor/intérprete de uma canção não pode reivindicar a posse/propriedade de um vinil já comercializado com fundamento em uma suposta transmutação operada pelo direito moral de autor, tampouco pode fazê-lo em relação aos masters, uma vez que estes são apenas uma forma diferenciada de apresentação do mesmo fonograma”, registrou.
Histórico
A discussão sobre as obras de João Gilberto quando o músico moveu ação contra a gravadora começou em 1997. Quando o caso chegou ao STJ pela primeira vez, a corte reconheceu o direito do músico à indenização por danos morais, em razão da remasterização não autorizada de músicas em CDs.
Depois foi questionado se a decisão também teria vedado a reprodução e a venda da obra musical do artista pela EMI, tendo o tribunal superior confirmado essa vedação.
Já em 2013, João Gilberto moveu nova ação contra a gravadora, pedindo a extinção dos contratos com a gravadora e a devolução das fitas masters de vários LPs, entre eles Chega de Saudade e O Amor, o Sorriso e a Flor, grandes sucessos do artista. O músico ainda solicitou acesso irrestrito às matrizes de seu repertório original.
O Tribunal de Justiça do Rio acabou garantindo ao artista apenas o acesso aos fonogramas originais, mas sem a sua devolução definitiva. O entendimento foi o de que ainda eram válidos os contratos fechados com a gravadora na década de 1960 e assim a EMI poderia continuar comercializando a obra do artista em vinil. Foi vedada apenas a remasterização das músicas e a venda em formatos não previstos nos contratos.
No recurso analisado pelo STJ, o compositor alegou que o direito do artista ‘não alcançaria apenas a dimensão imaterial de sua obra, mas, igualmente, o suporte físico em que ela foi gravada’.