SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O transporte e a armazenagem de 150 milhões de comprovantes impressos de votos traria um enorme risco de fraude na eleição brasileira. Esse é o alerta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em resposta a reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo que mostrou Brasil, Bangladesh e Butão como os únicos países a adotar a votação por urna eletrônica sem registro em papel em larga escala em eleições nacionais.
Segundo levantamento da Folha de S.Paulo, a maioria dos países que usa urnas eletrônicas adota máquinas que imprimem um comprovante em papel (o tal voto impresso), enquanto o Brasil ainda utiliza os aparelhos puramente eletrônicos.
Os EUA usam voto eletrônico sem registro impresso em menos de 5% das urnas e a Rússia, em 2018, em 9%.
No Brasil, uma nova discussão sobre a implantação de um comprovante de voto impresso foi puxada pelo presidente Jair Bolsonaro, que alega possíveis fraudes nas urnas eletrônicas sem nunca ter apresentado provas ou indícios. Nunca houve evidências de fraudes nas urnas eletrônicas, em uso desde 1996.
Atualmente uma proposta de emenda à Constituição sobre isso é discutida no Congresso, mas o TSE já sinalizou que não haverá tempo para sua implementação em 2022, mesmo que aprovada na Câmara e no Senado.
O TSE se opõe ao voto impresso principalmente por causa do histórico de fraudes no Brasil no período em que a votação era feita com cédulas de papel, contadas manualmente.
“A impressão de registro do voto após a votação na urna eletrônica iria reintroduzir a intervenção do homem nas fases mais críticas do processo e agregar os riscos inerentes à necessidade de transporte, armazenamento e custódia dos votos impressos, que nos assombraram antes da implantação da urna eletrônica”, disse o tribunal, em nota enviada à Folha de S.Paulo.
“Nesse sistema, teríamos 150 milhões de votos em papel que, após a votação, ficariam armazenados em urnas plásticas, a serem transportadas, armazenadas em local seguro e vigiadas 24 horas por dia durante meses e, depois, contadas manualmente.”
Os defensores do voto impresso argumentam que o comprovante em papel seria uma medida de segurança contra fraudes no software das urnas, porque permitiria uma auditoria independente.
Hoje, a auditagem das urnas eletrônicas no Brasil só se faz em cima dos registros eletrônicos, ou seja, não há um comprovante que não seja dependente do software.
No entanto, o TSE afirma que o voto impresso, na realidade, aumentaria a possibilidade de fraudes.
“Na urna eletrônica, o conjunto dos votos é assinado digitalmente uma única vez a cada voto adicionado, o que garante sua integridade e autenticidade, sem permitir que qualquer voto seja adicionado ou removido”, diz o TSE.
“No caso do registro em papel, a fraude é mais simples. Basta, a qualquer tempo durante o transporte, a custódia ou a contagem, suprimir ou acrescentar um registro impresso, ou subtrair a própria urna plástica. Depois, solicitar a auditoria dessa mesma urna com votos impressos. Isso seria suficiente para colocar toda a integridade das eleições sob suspeita.”
Outra crítica do TSE à PEC é a possível violação do sigilo do voto. Duas propostas do Legislativo prevendo voto impresso, em 2009 e 2015, foram barradas após decisões do Supremo. No entendimento da corte, a impressão dos comprovantes poderia ser uma forma de violar o sigilo da votação.
O TSE afirma que o voto impresso permite verificar a composição do voto, ou seja, em quem o eleitor votou para presidente, senador, deputado federal e deputado estadual, o que pode ser usado em compra de votos, prática que foi muito comum na história do país.
“Se um candidato tiver comprado, naquela seção, vamos dizer, 50 votos na chapa completa, ele pode conferir se foram entregues. Ou, para ter certeza de que o voto comprado foi efetivamente depositado, ele pode combinar, por exemplo, que o voto para senador ou para deputado federal seja anulado por indicar um número inexistente”, exemplifica.
Com o Registro Digital de Voto (RDV), que computa o voto para cada cargo separadamente e armazena em ordem aleatória nas urnas, não haveria risco de se deduzir a composição do voto e fazer a ligação entre voto e eleitor.
Apesar de apontar obstáculos, o TSE se compromete a” empreender todos os meios para implementar o voto impresso” caso a PEC seja aprovada, inclusive permitindo a membros do Congresso a fiscalização de todo o procedimento licitatório.
Mas ressalva que “não há garantia de que será possível obter todas as impressoras a tempo para 2022 – sobretudo em um cenário mundial de escassez de componentes eletrônicos.”
Na Índia, a transição para urnas eletrônicas com impressão de votos levou 8 anos. O governo indiano usava uma urna eletrônica semelhante à brasileira e começou a desenvolver um sistema com impressora em 2011.
Em 2012 e 2013, fabricantes fizeram testes com protótipos e, em 2014, o sistema estreou em um projeto piloto nas eleições, em apenas 8 de 543 zonas eleitorais. A partir daí, o sistema foi implementado gradualmente e só atingiu 100% das seções eleitorais em 2019.
ALGUNS DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA DA URNA
Uso de criptografia
Código certifica que o sistema da urna é o gerado pelo TSE e não foi modificado
Somente o sistema do TSE pode funcionar na urna
O sistema da urna fica disponível para consulta pública por seis meses
Em Testes Públicos de Segurança, especialistas tentam hackear o equipamento e apresentam as falhas encontradas para o TSE corrigir
Urnas selecionadas por sorteio são retiradas do local de votação e participam de uma simulação da votação, para fins de validação
Sistema biométrico ajuda a confirmar identidade do eleitor
“Log”, espécie de caixa-preta, registra tudo o que acontece na urna
Impressão da zerésima e boletim de urna
Processo não é conectado à internet
Lacres são colocados na urna para impedir que dispositivos externos (como um pendrive) sejam inseridos