Depois de encerrado o prazo para a realização das convenções partidárias, o quadro eleitoral de 2022 será definido nesta sexta-feira, 5, após a desistência de oito pré-candidaturas presidenciais que gastaram recursos do Fundo Partidário em projetos que morreram na praia, e foram, na prática, balões de ensaio. Ao menos R$ 15 milhões já entram nessa conta, montante que deve aumentar à medida em que os partidos apresentarem as notas fiscais dos gastos deste ano.
Quando ainda se apresentavam como presidenciáveis, o ex-ministro Sérgio Moro (ex-Podemos e hoje no União Brasil), os governadores João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB) e os deputados André Janones (Avante-MG) e Luciano Bivar (União Brasil-PE) usaram de alguma forma recursos públicos para sustentar seus nomes na disputa.
O senador Rodrigo Pacheco (PSD) e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (União Brasil) também tiveram o nome considerado pelos partidos, mas não levaram a pré-campanha adiante. Já o influenciador Pablo Marçal (PROS) promete ir à Justiça para manter seu nome na corrida caso seu partido – que chegou a anunciar o apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – tenha nova reviravolta no comando em função de uma disputa judicial interna.
Com os cofres cheios pelo Fundo Partidário – foram R$ 939 milhões em 2021 – as legendas não economizaram em gastos com viagens de pré-campanha, aluguel de jatinhos, eventos com efeitos especiais, jingles, comerciais de TV, impulsionamento nas redes sociais e assessoria de imprensa, entre outras despesas. Até julho deste ano, os partidos receberam R$ 575 milhões deste fundo (sem considerar multas), que tem aumentou exponencialmente nos últimos anos e agora está em torno de R$ 1 bilhão.
Com a aprovação da minirreforma eleitoral em 2015, passou a ser permitido o uso de alguns recursos do Fundo Partidário para custear de forma indireta serviços usados nas campanhas, como o impulsionamento de conteúdos, compra de passagens aéreas e contratação de consultorias. Doações de pessoas físicas também podem engordar este montante.
O caso mais emblemático foi do PSDB. O partido destinou R$ 12 milhões para as prévias do ano passado, que foram vencidas por Doria, mas acabaram não se transformando em uma candidatura nacional.
Cada pré-candidato recebeu da sigla R$ 2 milhões para as pré-campanhas. O ex-governador João Doria chegou a alugar uma mansão na Avenida Brasil, em São Paulo, para servir de comitê e contava com uma estrutura profissional, que incluía contrato com o marqueteiro Lula Guimarães, assessoria e equipe de redes sociais.
Em seu site, o partido afirma que as prévias envolveram nove meses de trabalho, e que os gastos incluem viagens da militância e dos pré-candidatos, cadastramento de filiados, debates internos e externos e a realização de evento em Brasília com mais de 700 mandatários tucanos de todo o País.
Em caráter reservado, integrantes da cúpula tucana temem que as contas sejam parcialmente rejeitadas devido aos gastos com as prévias.
Antes de desistir da disputa nacional, o deputado Luciano Bivar, que é presidente do União Brasil, também não economizou em sua pré-campanha.
Segundo apurou a reportagem com dirigentes, só com o evento de pré-lançamento da campanha de Bivar em São Paulo, que teve direito a claque uniformizada, bateria de escola de samba, efeitos especiais e jingles, o União Brasil gastou R$ 1,2 milhão. O marqueteiro contratado por Bivar foi Augusto Fonseca, que antes dele estava com Lula.
Presidente da sigla, Bivar também foi protagonista dos programas da legenda na TV. Segundo dados do TSE, só com a empresa CZM Estratégia e Narrativa, uma agência de publicidade, foram gastos R$ 6,7 milhões do Fundo Partidário em 2022, além de R$ 1,3 milhão com a Delantero Comunicação e Publicidade.
Em nota, a assessoria do União Brasil afirmou que os contratos do partido abrangem todos os pré-candidatos e são “parte da estratégia de torná-los mais conhecidos, assim como dar visibilidade ao próprio partido, fundado recentemente”.
O valor final dos gastos desperdiçados com as pré-campanhas que não vingaram ainda não foi divulgado em sua totalidade nas prestações de contas. Procurados, Avante e Podemos não responderam ou disseram não ter a informação da verba usada. O PROS alega que todas as despesas da campanha de Marçal foram pagas pelo pré-candidato via pessoa física. Duas alas disputam na Justiça o comando do partido. A que está à frente da sigla no momento, quer manter a candidatura de Marçal, ao contrário do outro grupo, que chegou a anunciar o apoio à campanha de Lula.
No PSD, apesar de ter sido anunciado como pré-candidato, a assessoria do partido alega que Rodrigo Pacheco não usou verbas da sigla.
Como mostrou o Estadão, antes de deixar o Podemos e migrar para o União Brasil, o ainda presidenciável Sérgio Moro (UB) recebeu verbas generosas da sigla para sustentar sua pré-campanha.
Integrantes da legenda estimam ter custeado mais de R$ 2 milhões em pesquisas eleitorais, eventos, salários e viagens de Moro, sua mulher, Rosângela, e o staff da confiança do ex-ministro, que tinha direito até a carro blindado alugado. Entra na conta o ato de filiação do ex-ministro em Brasília.
Agora candidato ao Senado pelo União Brasil no Paraná, Moro se junta a Janones e Bivar na lista de ex-candidatos que contaram com a estrutura partidária para promover o próprio nome à Presidência e que agora disputam outros cargos.
O cientista político Marcelo Issa, diretor executivo da Transparência Partidária, disse que a legislação eleitoral deveria estabelecer processos internos mais democráticos e com consulta às bases nos partidos na hora de definir seus candidatos, mas pondera que os balões de ensaio fazem parte do processo.
“Não é ideal, mas está na esfera da autonomia partidária usar os recursos públicos para lançar candidaturas que podem não ir até o fim”, afirmou.
“Esse dinheiro é público e não pode ser jogado no ralo. Foram recursos gastos de maneira irresponsável, mas não há uma regulamentação específica do TSE nem histórico de reprovação das contas por conta disso. Mas uma existe um caso de referência: da senadora Juíza Selma Arruda”, disse Arthur Rollo, advogado especialista em Direito Eleitoral e membro do conselho de direito eleitoral da OAB-SP.
Em 2018, seis dos sete ministros do TSE consideraram que a parlamentar praticou caixa 2 e abuso de poder econômico na pré-campanha e cassaram o mandato de Selma Arruda (Podemos-MT).