Na avaliação da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, a utilização de emendas orçamentárias como forma de cooptação de apoio político – mecanismo do chamado orçamento secreto – põe em risco o sistema democrático, além de violar princípios constitucionais, como o da igualdade. “Esse comportamento compromete a representação legítima, escorreita e digna, desvirtua os processos e os fins da escolha democrática dos eleitos, afasta do público o interesse buscado e cega ao olhar escrutinador do povo o gasto dos recursos que deveriam ser dirigidos ao atendimento das carências e aspirações legítimas da nação”, destacou a ministra.
A ponderação se deu em voto apresentado no âmbito do julgamento sobre a suspensão dos repasses parlamentares feitos por meio de emendas de relator para bases eleitorais, esquema revelado em maio pelo Estadão. Cármen Lúcia se manifestou no sentido de chancelar a decisão dada pela vice-presidente do STF, Rosa Weber. Os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram no mesmo sentido. Os outros seis integrantes da corte máxima têm até esta quarta-feira, 10, para depositarem seus votos sobre o caso.
O tema é discutido no plenário virtual do STF, sistema que permite que os magistrados apresentem seus votos fora dos holofotes da TV Justiça. Nele, os ministros podem escolher entre apenas sinalizarem se acompanham ou divergem do relator, ou, além disso, depositarem a íntegra de seus votos.
Até o momento, somente Cármen Lúcia optou por expor a fundamentação que a levou a acompanhar Rosa Weber. No voto de 18 páginas, a magistrada destacou que a jurisprudência do Supremo tem o ‘princípio da publicidade como corolário da escolha republicana como forma de governo’.
Segundo a ministra, ‘o acesso aos documentos públicos, atos, contratos, suas motivações e finalidade, de todos os poderes’, é uma imposição. Nessa linha, ainda de acordo com Cármen, o segredo é exceção e somente se legitima após ‘devida e suficiente’ justificativa, sendo que esta última deve ser pública a demonstrar coerência. A magistrada ressaltou ainda que nenhuma passagem da Constituição permite que o ‘agente público atue com segredos antirepublicanos’.
“O controle de legalidade e da finalidade dos comportamentos e gastos dos recursos pela Administração Pública não pode ser escamoteado nem esvaziado pela sombra a impedir a garantia da transparência na gestão pública. As ações institucionais e a atuação dos agentes estatais são sempre de interesse público, relacionando-se sempre e sempre à “res publica” . O Estado põe-se a serviço dos cidadãos – e somente por isso se justifica -, e como tal deve satisfação de seus atos”, registrou a ministra em trecho de seu voto.