RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em busca do apoio de deputados e prefeitos e de uma marca de gestão para estruturar sua campanha à reeleição, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), lançou pacote bilionário de obras cujos eventos de lançamento começam, em alguns casos, antes mesmo da licitação.
O programa de obras, chamado Pacto RJ, atinge R$ 17 bilhões nos próximos três anos, de acordo com o governo. Os recursos, bancados em sua maior parte (R$ 10 bilhões) pela privatização da Cedae, representam um montante que não se vê no estado desde a preparação para a Olimpíada de 2016.
Desta vez, no lugar de grandes obras, o programa inclui intervenções de curto prazo, como praças, ciclovias, compra de equipamentos para hospitais e melhorias de estradas do interior.
Parte das obras ainda não licitadas já foi tema de anúncios em eventos de Castro pelo estado, como a reforma e construção de conjuntos habitacionais. O governador tem participado dos lançamentos em palanques nos quais até canta músicas gospel -além de político, ele é também cantor católico.
A previsão é que parte das obras sejam licitadas já neste ano, permitindo ao governador novos palanques de início de obras. As mais simples podem ser inauguradas a tempo de outro evento em sua atual gestão.
A promessa de R$ 17 bilhões no próximo triênio é a maior desde o período entre 2014 e 2016, quando o estado investiu R$ 23,5 bilhões em valores atualizados. Desde então, a cifra caiu até R$ 3,9 bilhões entre 2018 e 2020.
O novo fôlego se deve à privatização da Cedae, que garantiu R$ 14 bilhões aos cofres estaduais, dos quais R$ 9 bilhões chegam nas próximas semanas e outros R$ 2 bilhões após seis meses.
O estado também garantiu um alívio no pagamento de dívidas ao aderir ao novo Regime de Recuperação Fiscal. O pacote de obras pode ainda ajudar na aproximação de lideranças políticas para a aprovação de medidas impopulares de contenção de gastos na Assembleia Legislativa exigidas pelo governo federal.
De acordo com a apresentação do governo estadual, o segundo maior item do programa de obras inclui drenagem, construção de praças e ciclovias, com investimento previsto de R$ 1,8 bilhão.
Em razão do regime de recuperação fiscal, os recursos não podem ser repassados para execução de obras pelas prefeituras. O estado, assim, será o responsável por tocá-las -o que exigirá celeridade na burocracia estadual.
No anúncio do plano, Castro negou interesse eleitoral nas obras. Mas os investimentos têm servido para garantir a presença do governador no interior ao lado de prefeitos, deputados federais e estaduais de quem busca apoio.
Em nota, o governo afirmou que o Pacto RJ tem em seu acervo “projetos e obras já iniciadas, em processo licitatório e em fase final de estudo”. A escolha dos projetos, segundo o estado, tem como critérios ” a necessidade da população fluminense em áreas prioritárias como infraestrutura, saúde, educação, segurança e mobilidade urbana”.
“Na minha secretaria, 70% dos recursos aplicados são estruturantes. É claro que há algumas obras de tiro curto que precisam ser feitas. Como não acabar uma obra como a da orla de Mangaratiba, de R$ 3 milhões, que está parada no meio do caminho?”, afirmou o secretário de Infraestrutura, Max Lemos (PSDB).
Um dos investimentos de curto prazo é a construção de 26 restaurantes populares, bandeira das gestões de Anthony Garotinho no estado. O anúncio do projeto foi feito ao lado do ex-governador em Campos dos Goytacazes, reduto eleitoral da família.
“O senhor é um grande exemplo na política social do estado. Há muito tempo não se faz política social no estado. O legado de Garotinho foi destruído”, disse Castro para o ex-governador.
Garotinho diz que tem simpatia pelo governador, mas ainda não definiu quem vai apoiar ano que vem.
“No quadro de hoje, ele seria uma opção”, afirmou o ex-governador. Campos também foi contemplado com a reforma de um hospital da cidade.
As obras têm servido para Castro ampliar pontes com os políticos locais a fim de estabelecer alianças que fujam do conflagrado cenário nacional.
O governador fluminense apoia a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, mas conseguiu incluir em seu governo o PSDB do governador de São Paulo, João Doria, potencial concorrente à Presidência. Castro também atraiu o apoio do MDB regional, embora nacionalmente a sigla defenda uma terceira via na eleição.
O pacote anunciado também inclui duas grandes obras. A maior delas (R$ 2,5 bilhões) é a construção de nova estação de tratamento de água para diminuir a crise no setor.
Outra obra relevante é um metrô-leve que passa por municípios da Baixada Fluminense, estimado em R$ 1,7 bilhão.
Embora prevista no Programa de Desenvolvimento Urbano da Região Metropolitana (PDUI), a obra é alvo de críticas de especialistas em razão de seu custo e o atual cenário nos transportes.
Henrique Silveira, coordenador-geral da Casa Fluminense (entidade que acompanha o planejamento urbano da região metropolitana), afirma que a obra não deveria ser prioridade na retomada dos investimentos em mobilidade.
Para ele, a recuperação da malha ferroviária, cuja concessionária Supervia está em recuperação judicial, deveria ser o foco dos investimentos nesse momento.
“Estamos numa crise dos transportes no país e essa obra não ajuda a superá-la. A prioridade deveria estar na melhoria do que já existe, e garantir a sustentabilidade dos trens. No primeiro respiro que temos, o senso de prioridade desaparece”, afirmou Silveira.
Ele apontou também que a linha 3 do metrô, prevista para ser construída entre São Gonçalo e Niterói, é mais relevante para o transporte público do que a intervenção proposta no plano.
O metrô-leve vai beneficiar a Baixada Fluminense, uma região pobre e populosa em que atua a maior parte dos potenciais aliados de Castro. O principal é o prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis (MDB), que pretende disputar o Senado.
Procurado, o secretário de Transportes, Juninho do Pneu (DEM), não retornou ao pedido de entrevista. O governo estadual disse, em nota, que levou em consideração o PDUI para incluir o projeto no Pacto RJ.
Vice na chapa de Wilson Witzel eleita em 2018, Cláudio Castro assumiu oficialmente o governo do Rio de Janeiro em maio deste ano.
O Tribunal Especial Misto aprovou por unanimidade o impeachment de Witzel no final de abril, sob acusação de crime de responsabilidade e de irregularidades na contratação dos hospitais de campanha para combater a pandemia.