O País e o jornalismo perderam, nesta sexta-feira, 26, o seu mais destacado e influente repórter-fotográfico em atividade na cena política brasileira. Dida Sampaio, de 53 anos, documentou com intensidade o período democrático a partir de Brasília e congelou em imagens os dramas e conflitos sociais da Amazônia e dos sertões do Nordeste e do Centro-Oeste.
Com imagens que encantaram e formaram uma legião de admiradores, Dida atingiu a excelência na acirrada e complexa cobertura de poder. Não se limitou a retratos de profunda beleza estética nem à própria à fotografia. Foi um clássico repórter de política, atuando da apuração à publicação da história, que incluía informações obtidas nos bastidores. Tinha um olhar apurado para revelar casos encobertos nos corredores e gabinetes do Congresso.
Ele se destacou ainda por atravessar o período de revolução tecnológica e digital na foto e no jornalismo dos últimos tempos sem perder a tradição e o legado da grande reportagem de campo. Em sua casa, em Brasília, guardava jornais impressos com suas fotos históricas ao lado de equipamentos modernos. Tornou-se nos últimos tempos um dos mais entusiastas usuários de drones para produzir vídeos-documentários.
Por sua obra, o cearense Francisco de Assis Sampaio – radicado desde a infância em Brasília – conquistou os mais importantes prêmios do jornalismo da América Latina. O repórter sempre reconhecido como o mais visceral dos profissionais da cobertura da vida política na capital e fora dela ganhou dois Prêmios Esso, três Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, além de distinções como o Prêmio Dom Helder Câmara de Imprensa, Latino-Americano de Jornalismo Investigativo e Estadão de Fotografia e Vídeo.
Muito mais que um caçador incansável de “furos” de reportagem, Dida buscou um registro de uma história viva. Assim, procurou relatar o cotidiano de um sempre conturbado, dramático, contraditório e também terno e simples.
Em 2017, Dida registrou no especial Terra Bruta a violência no campo brasileiro, um dos trabalhos mais premiados do jornalismo recente. No ano seguinte, percorreu a cavalo as veredas do Norte de Minas para relatar o desmatamento, a pobreza e o êxodo na região que inspirou os romances e contos de Guimarães Rosa. Passou noites e madrugadas para congelar os movimentos da Folia de Reis, de cantadores, geraizeiros e veredeiros.
Uma das características de Dida era abraçar as pautas das grandes histórias. Em 2020, foi o primeiro fotógrafo a chegar ao Pantanal no incêndio daquele ano. Voltou de lá depois de encontrar com o colega de equipe, o repórter Vinícius Valfré, uma onça com as patas queimadas, desde então acompanhou toda a história de Ousado até a sua recuperação e à volta à natureza. No ano passado, o fotógrafo viajou pelo Rio Araguaia para registrar as comunidades messiânicas comandadas por mulheres na Amazônia.
Poucos dias antes de ser internado, a 11 de fevereiro, após um aneurisma, Dida relembrou com um amigo um momento especial da carreira. Numa viagem ao Acre para uma reportagem sobre os 25 anos da morte de Chico Mendes, entrou no hospital onde Darly Alves, o autor do assassinato do líder seringueiro, se recuperava de um acidente de trânsito. Ele conseguiu a foto exclusiva.
As lentes de Dida registraram personalidades do século 20, como Nelson Mandela, João Paulo II, Bill Clinton, Rainha Elizabeth e Barack Obama. No Brasil, o fotógrafo congelou movimentos dos presidentes José Sarney (1985-1990), Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1993-1994), Fernando Henrique (1995-2009), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), Dilma Rousseff (2011-2016), Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-).
Para o jornalista, a fotografia não era necessariamente para ilustrar um texto, mas, em certas situações, ser o único registro do fato, sem precisar de palavras. A imagem deveria ter, na ótica do profissional, todos os elementos da notícia e da informação. Dida rejeitava o personalismo.
Em 2020, Dida cobria uma manifestação na Praça dos Três Poderes de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro quando foi agredido. A imagem do momento de violência gerou comoção. Avesso à imprensa, Bolsonaro abriu o Palácio da Alvorada, em outro momento, e posou para o fotógrafo de forma exclusiva. Dida foi o único fotógrafo a conseguir registrar momentos da intimidade do presidente.
O respeito e a humildade que tinha para entrar nos gabinetes de Brasília era o mesmo que utilizava para ter acesso às casas de de madeira nos rincões do País. Tratava as fontes com a mesma deferência. Sabia ler as pessoas e conquistar a confiança. Para os colegas e amigos, recebia o tratamento de mestre preocupado em repassar conhecimento, técnica e leitura política. Nos últimos meses, procurou ensinar a motoristas da sucursal do Estadão na capital federal, onde trabalhava, o ofício da fotografia.
O mergulho profundo do repórter nas pautas e histórias permitiu ao País entender conflitos nos palácios de Brasília e no interior profundo com a vivacidade da história. Dida morreu em consequência de um aneurisma e um AVC e lutou pela vida nos últimos treze dias. Ele deixa a mulher, Ana, e os filhos Raíssa, Felipe e Gabriela.