RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O promotor Luciano Mattos, 52, toma posse nesta sexta-feira (15) como novo procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro. Ele vai chefiar o Ministério Público estadual, responsável por investigações sobre dois filhos do presidente Jair Bolsonaro.
Mattos tem atribuição direta na investigação e prosseguimento da denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), além de ter o poder de fazer mudanças no grupo que tem como um dos seus alvos o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Após anos sob críticas por ter sido pouco atuante na gestão Sérgio Cabral, o MP-RJ concentra investigações de repercussão no país. Além de investigar a família Bolsonaro, o órgão é um dos responsáveis pelo esclarecimento sobre a existência de um mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes.
No último dia 31, em uma transmissão em rede social, o presidente aumentou as pressões sobre o MP-RJ ao questionar a imparcialidade do órgão ao falar sobre as investigações da “rachadinha” que atingem seu filho Flávio.
Dirigindo-se à Promotoria, Bolsonaro mencionou a hipótese de o filho de uma autoridade do Ministério Público ser acusado de tráfico. E questionou: “O que aconteceria, MP do Rio de Janeiro? Vocês aprofundariam a investigação ou mandariam o filho dessa autoridade para fora do Brasil e procurariam maneira de arquivar esse inquérito?”.
“Caso hipotético, vamos deixar claro”, continuou o presidente. “Caso um filho de uma autoridade entrasse num inquérito da Polícia Civil do Rio e aí um delator tivesse falado que ele participava de tráfico internacional de drogas. O que aconteceria?”
Alguns procuradores cobraram uma manifestação do procurador-geral de Justiça do estado, José Eduardo Gussem, que será substituído agora por Luciano Mattos.
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Como o novo procurador-geral de Justiça foi escolhido?
Mattos venceu a eleição interna entre membros do MP-RJ com 546 votos, seguido de Leila Costa (501) e do promotor Virgílio Stavridis (427), que formaram a lista tríplice enviada ao governador interino, Cláudio Castro (PSC).
Castro decidiu escolher o mais votado após ouvir de aliados que Mattos tem um perfil de diálogo com o meio político. Também pesou na decisão o fato de a escolha de outro nome poder gerar uma crise no MP-RJ, já que desde 1988 apenas uma vez o mais votado internamente não foi o escolhido.
O senador Flávio Bolsonaro interferiu na escolha do novo PGJ?
O preferido dos aliados de Bolsonaro para chefiar o órgão era o procurador Marcelo Rocha Monteiro, eleitor declarado do presidente e que defende bandeiras semelhantes às do clã. Ele conseguiu apenas 143 votos na eleição interna, ficando de fora da lista tríplice, da qual a Constituição determina que deve sair a escolha do governador para chefiar o MP-RJ.
Inicialmente, Mattos sofria com a resistência de alguns dos interlocutores do senador por ter um histórico de atuação na Tutela Coletiva, área de parte dos membros do grupo responsável pelas investigações contra Flávio. A vinculação funcional não era bem-vista pelo grupo do filho do presidente.
O futuro procurador-geral de Justiça conseguiu contornar as resistências por meio dos contatos políticos construídos nos seis anos em que comandou a Amperj, associação dos membros do MP-RJ. A interlocutores Flávio afirmou que não iria atuar para vetar a escolha de Luciano pelo governador interino — que está no cargo devido ao processo de impeachment de Wilson Witzel (PSC), eleito com apoio dos Bolsonaros, mas que acabou se tornando inimigo da família presidencial.
Se Flávio já foi denunciado, o que o novo PGJ pode fazer em relação ao senador?
O futuro PGJ será o responsável por atuar no processo aberto contra Flávio no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ele deverá defender a aceitação da denúncia, o que tornará o senador réu caso ocorra.
Mattos também será o responsável por conduzir a investigação sobre a suposta lavagem de dinheiro de Flávio por meio de uma loja de chocolate. Ele já sinalizou que pretende conduzir mais de perto as apurações de pessoas com foro especial, incluindo o senador, diferente do atual PGJ, Eduardo Gussem, que delegou os atos de investigação a outro procurador.
O promotor também é o responsável por orientar a atuação do MP-RJ no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), cortes que vão decidir temas que afetam o caso de Flávio.
No Supremo, o MP-RJ recorre do foro especial concedido pelo TJ-RJ. No STJ, a defesa do senador ainda tenta anular as provas obtidas com autorização do juiz da primeira instância Flávio Itabaiana.
O PGJ pode interferir na investigação sobre Carlos Bolsonaro?
O vereador é investigado pelo Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção), por solicitação da 3ª Promotoria Especializada de Investigação Penal, responsável natural pelo caso.
A composição do grupo, sua coordenação e até sua permanência será definida pelo futuro PGJ. A 3ª Promotoria pode desistir do pedido de auxílio e assumir o caso de Carlos. Neste caso, o poder de interferência do PGJ é mais reduzido. Não há, porém, perspectiva de que isso ocorra.
Há outros políticos sob investigação do MP-RJ?
É atribuição do cargo investigar crimes atribuídos a deputados estaduais, juízes, promotores, prefeitos, secretários estaduais e vice-governador. Também é de responsabilidade do PGJ a proposição de ações civis públicas contra o governador.
Mattos vai chegar ao gabinete do PGJ com investigações ainda pendentes contra deputados estaduais decorrente do caso das “rachadinhas”.
Caso o governador afastado Wilson Witzel retorne ao Palácio Guanabara, também caberá ao futuro PGJ investigar a participação de Castro num esquema de propina em projetos sociais do governo do estado.
Há algum risco de mudança nas investigações sobre o caso Marielle?
As investigações do homicídio da vereadora e seu motorista são conduzidas pela Divisão de Homicídios, da Polícia Civil, e pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-RJ.
Assim como o Gaecc, o Gaeco pode ter sua composição, coordenação e permanência alterada por Mattos. A coordenadora do grupo, Simone Sibilio, atua no caso Marielle desde setembro de 2018. A DH já teve três delegados à frente da apuração.
O Gaeco também tem atuado na investigação sobre milícias no estado. Um dos alvos era o grupo criminoso que atua em Rio das Pedras, antes comandado pelo ex-capitão Adriano da Nóbrega, que tinha duas parentes nomeadas no gabinete de Flávio.
Qual o histórico de Luciano Mattos no MP-RJ?
O futuro PGJ tem 25 anos de carreira. Seu histórico funcional é marcado por ações civis públicas em Niterói contra ex-secretários, vereadores e o ex-prefeito Jorge Roberto da Silveira (PDT). Também atuou em investigação de tortura no presídio Ary Franco.
Nos últimos anos, porém, teve sua trajetória marcada à frente da Amperj, associação dos membros do MP-RJ. Os três mandatos (2013-2018) que conquistou na Amperj lhe deram bom trânsito na categoria e também entre políticos, com quem costumava negociar as pautas corporativas da Promotoria.
Foi essa articulação política que ajudou Mattos a reduzir a resistência que sofria entre interlocutores da família Bolsonaro, o que poderia afetar sua nomeação por Castro.
Na eleição interna, Mattos teve o apoio do ex-PGJ Marfan Martins Vieira, nome forte do MP-RJ citado em depoimento de Sérgio Cabral como tendo atuado para arquivar investigação sobre a “farra dos guardanapos” em troca de indicação para o Tribunal de Justiça. O procurador nega a acusação.
A dúvida entre membros do MP-RJ é como o futuro PGJ vai conciliar o diálogo institucional com políticos com uma atuação dura e direta na investigação que seu currículo mostra.