SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto antigos aliados viram as costas, líderes evangélicos permanecem de joelhos, em oração, por Jair Bolsonaro num inédito engajamento do segmento no 7 de Setembro.
Alguns dos principais pastores do país se uniram para convocar fiéis ao ato de apoio ao presidente que , em São Paulo, ocupará a avenida Paulista. Entre eles estão Estevam Hernandes, idealizador da Marcha para Jesus, Samuel Câmara, à frente da Igreja Mãe, a primeira das Assembleias de Deus no Brasil, fundada há um século em Belém, e Renê Terra Nova, uma das vozes pastorais mais influentes no Norte.
“Não podemos ficar omissos nem sermos covardes neste momento crucial”, disse em vídeo o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia, que puxou o movimento. “O povo brasileiro é o supremo poder, e Deus é o supremo juiz.”
Não que pastores tenham passado ao largo da data no passado. Em 2019, por exemplo, o bispo Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de Deus) dividiu as atenções de Bolsonaro com o apresentador Silvio Santos no palanque montado em Brasília para autoridades assistirem ao desfile do Dia da Independência.
Parece outra era, e não só porque o presidente fez questão de zanzar abraçado com seu então ministro da Justiça, Sergio Moro, que logo cairia nas desgraças do chefe. Naquele ato, o último pré-pandemia, a popularidade de Bolsonaro ainda não havia se liquefeito, e a crise institucional era uma marolinha perto do tsunami que hoje se forma no Distrito Federal.
A diferença é que agora os evangélicos se alinham a Bolsonaro não para um evento oficial, como fez Edir Macedo dois anos atrás, mas para manifestações que prometem agravar o estresse institucional. Tudo numa data historicamente marcada por um cortejo de tropas militares.
“Entre a Bíblia e a bala”, como disse, numa pretensa piada, um pastor que lá estará no dia 7. As Forças Armadas e o cinturão evangélico são dois guinchos nos quais hoje o bolsonarismo se escora.
Por ora, há poucas rachaduras no respaldo dos pastores -muitos deles associados aos governos petistas de Lula (sobretudo) e Dilma Rousseff (menos)- ao atual mandatário. Nos vídeos para chamar fiéis às ruas, eles usam expressões como “povo abençoado de Deus” (Malafaia) e “graça e paz” (Cláudio Duarte). Seria preciso protestar “pela nossa liberdade”, nas palavras de Magno Malta, ex-senador que ajudou a costurar a rede religiosa pró-Bolsonaro nas eleições de 2018 e acabou alijado de seu governo.
“Nessa magnitude, é inédito”, diz Malafaia à reportagem sobre a presença evangélica no Sete de Setembro. “Evangélico sempre participaram, mas de maneira tímida. Nunca vi na história do país uma mobilização de evangélicos para um evento como esse. Nós sempre ficamos na nossa. Desta vez, há um envolvimento monstro de lideranças e de povo.”
O apóstolo César Augusto, líder da Igreja Apostólica Fonte da Vida e visitante frequente no Palácio do Planalto, diz que sua ideia é levar “uma mensagem de pacificação à sociedade brasileira, que vive uma atmosfera de conflitos”.
Estevam Hernandes, fundador da Renascer em Cristo, também recorre ao discurso conciliador. “Acredito que, de maneira democrática e pacífica, podemos, com manifestação popular, orações e clamor a Deus, viver a harmonia dos Poderes e um novo tempo de paz e prosperidade para o Brasil.”
Na prática, o que se vê é a adesão aos argumentos que, ao menos na capital federal, isolaram Bolsonaro em sua sanha contra o Judiciário: haveria em marcha um ataque à Constituição promovido por quem deveria guardá-la, o STF (Supremo Tribunal Federal).
César Augusto inclui entre os motivos para ir à Paulista a necessidade de defender “a liberdade de expressão e opinião, o direito de ir e vir e liberdade religiosa, direitos que vejo sutilmente ameaçados nesse momento”.
“Hoje é a liberdade de expressão, amanhã é a liberdade religiosa. O que está em jogo é muito mais do que Bolsonaro”, afirma Malafaia. “A Constituição está sendo rasgada por quem mais deveria honrá-la.”
O pastor carioca é um dos que evocam o artigo 142 da Constituição, que trata do papel das Forças Armadas na República, para justificar uma eventual intervenção militar, tese repudiada por instituições como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o Congresso Nacional. Diz esse trecho constitucional que, “sob a autoridade suprema do Presidente da República”, os militares “destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
No começo de agosto, Malafaia disse que Bolsonaro deveria convocar as Forças Armadas contra a “ditadura da toga” que teria tomado de assalto o STF.
Essa manifestação pública de pastores num feriado cívico como o 7 de setembro é fora da curva, segundo Ricardo Mariano, professor de sociologia da USP que anos atrás cunhou o termo “neopentecostais” em sua tese de mestrado.
Para Mariano, assistimos a expoentes da direita cristã bradarem contra as forças políticas de oposição –nomeadas por Malafaia de “gente má”– e a mais alta corte do país. “Para mobilizar os irmãos de fé, o pastor os conclama a se manifestarem para impedir que ‘isso aqui’ vire uma Venezuela, o que é paradoxal, já que é justamente Bolsonaro que não se cansa de estimular manifestações golpistas, de ameaçar os demais Poderes com o que considera ser ‘suas Forças Armadas’.”
Pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião, Magali Cunha lembra da Marcha pela Família de 2014 como outro catalisador de “mobilização via pânico moral”. Já o 7 de Setembro nunca foi data destacada em igrejas. “Algumas usavam como semana de oração pela pátria, contra os males sociais. Mas nunca nada como estamos vendo hoje.”