BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ação apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal) para que a corte seja proibida de instaurar uma investigação sem aval da PGR (Procuradoria-Geral da República) foi classificada nos bastidores do tribunal como despropositada e sem chance de prosperar.
Em conversas reservadas, ministros afirmaram que a medida expõe a contradição do governo em relação ao tema, uma vez que a AGU (Advocacia-Geral da União) se posicionou a favor do inquérito das fake news quando o plenário do tribunal avalizou a apuração, em junho do ano passado.
A avaliação de integrantes da corte é que o próprio chefe do Executivo sabe que será derrotado, mas decidiu protocolar a ação para animar sua militância, que costuma fazer críticas e, às vezes, ataques infundados à atuação do Supremo.
Após a rejeição da Câmara à proposta que instituía o voto impresso, o presidente mudou de estratégia e passou a defender o impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso como forma de manter seus eleitores ativos na disputa que trava com o STF.
Nesta sexta (20), Bolsonaro formalizou no Senado um pedido de afastamento de Moraes -e disse que apresentará contra Barroso nos próximos dias.
Apesar de a iniciativa do presidente de questionar investigação sem aval do Ministério Público ter pouca chance de prosperar, a análise interna do tribunal é que a medida ajuda a tensionar ainda mais a relação entre os Poderes e dificulta a retomada do diálogo entre o Supremo e o Palácio do Planalto.
Isso porque, como todos os indícios apontam para a baixa probabilidade de sucesso na investida de Bolsonaro, a ação foi interpretada apenas como uma forma de contrapor mais uma vez a corte ao eleitorado bolsonarista.
O placar do julgamento que validou a decisão individual do então presidente da corte, ministro Dias Toffoli, de instaurar de ofício a apuração sobre a disseminação de notícias fraudulentas contra integrantes do STF é apontado como principal indicativo de que a ação de Bolsonaro deverá ser enterrada em breve pelo tribunal.
Na ocasião, 10 dos 11 ministros defenderam a constitucionalidade do artigo do regimento interno da corte que Bolsonaro, agora, quer que seja declarado inconstitucional.
Inicialmente, a abertura do inquérito sem pedido da PGR nesse sentido enfrentou resistência interna e dividiu o tribunal, pois geralmente o Judiciário só age quando é provocado.
Prova disso é que Toffoli evitou levar ao conjunto da corte em um primeiro momento a análise de ações que contestavam sua decisão.
As contestações ao inquérito aumentaram ainda mais em abril de 2019, quando o relator, Alexandre de Moraes, censurou reportagem da revista Crusoé contra Toffoli. Três dias depois, porém, Moraes revogou a própria decisão.
Com o passar do tempo, as investigações passaram a mirar exclusivamente a militância bolsonarista e, com o crescimento dos ataques ao Supremo por aliados do presidente, a temperatura do tribunal sobre o tema mudou.
Mais de um ano e três meses depois de aberto o inquérito, o plenário, por 10 a 1, referendou a decisão de Toffoli de abrir o inquérito.
O único voto contrário e que poderia, portanto, ser a favor da ação de Bolsonaro foi o do ministro Marco Aurélio, que se aposentou em julho e não integra mais a corte.
A contradição apontada por ministros nos bastidores diz respeito à manifestação da AGU no julgamento do caso. Na oportunidade, o então advogado-geral da União, José Levi, fez uma sustentação oral no plenário em defesa da decisão da corte de lançar mão do artigo 43 para instaurar uma investigação sem ter sido provocada pela Procuradoria.
Representando o governo federal perante o Supremo, Levi afirmou que a medida adotada pelo tribunal foi regular e não pediu a suspensão do inquérito. O então chefe da AGU defendeu o prosseguimento do caso e fez apenas algumas ponderações.
“Na dúvida entre liberdade de expressão e possível fake news, deve ser assegurada a liberdade de expressão”, disse.
Além de o histórico do tema contrariar o pedido de Bolsonaro, a escolha do ministro Edson Fachin como relator da matéria foi apontado nos bastidores como mais um motivo para o chefe do Executivo não alimentar esperanças em relação à ação.
Não houve sorteio de relatoria e o processo foi direto para o gabinete de Fachin por ele já ser o responsável por uma ação do PTB com o mesmo teor. Após a aposentadoria de Celso de Mello no fim de 2020, o magistrado assumiu a frente no Supremo nas críticas ao presidente.
Além do inquérito das fake news, que já levou à prisão e a ordens de busca e apreensão de deputados, blogueiros e empresários bolsonaristas, também irritou o chefe do Executivo o fato de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ter adotado medida similar para investigar a conduta do presidente da acusar, sem provas, o sistema eletrônico de votação de ser fraudável.
Nos bastidores, ministros têm comparado a ação contra o artigo do regimento interno ao processo em que o presidente pediu para o Supremo derrubar decretos de três estados que restringiam a circulação de pessoas como forma de conter o avanço da Covid-19.
O presidente apresentou uma ação contra normas de três estados mesmo após a corte ter reafirmado, em diversas oportunidades, que os entes da federação têm autonomia para deliberar sobre as medidas a serem adotadas contra a pandemia.
No fim, o ministro Luís Roberto Barroso rejeitou a ação e disse que a os decretos respeitavam a decisão do Supremo e frisou que as medidas eram “voltadas à contenção do contágio de Covid-19”.
A postura do atual procurador-geral de Justiça, Augusto Aras, vista como próxima ao presidente, tem causado reações de entidades e personalidades públicas. Nesta sexta (20), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Paulo Evaristo Arns, conhecida como Comissão Arns, pediu ao STF a abertura de um inquérito para investigar o que dizem ser crimes comuns praticados pelo PGR.
A entidade é formada por ex-ministros de estado, intelectuais e advogados. A representação foi enviada ao presidente da corte, Luiz Fux, com pedido de encaminhamento para o Conselho Superior do Ministério Público Federal para abertura de investigação.
Segundo a comissão, Aras “não tem cumprido seu papel de guardião da Constituição e das leis”. “Ao contrário, tem instrumentalizado politicamente a ampla discricionariedade que lhe é conferida pela Constituição, de forma a subverter as funções de seu cargo, atuando mais como um guardião do próprio governo e de seus integrantes, do que efetivamente cumprindo com seus deveres institucionais”.
“A postura do PGR aduz uma cumplicidade deliberada com o presidente da República, parecendo estar configurado o interesse pessoal do agente público em beneficiar o chefe do executivo que caracteriza o delito de prevaricação”, diz a entidade.